Um curioso jurídico aconteceu no Rio Grande do Sul, onde Tribunal de Justiça (TJRS) reconheceu por três votos a um pedido de união estável paralelo ao casamento. A decisão da 8ª câmara Cível admite a partilha dos bens eventualmente adquiridos durante a relação extraconjugal, o que deverá ser buscado em outra ação judicial. Na ação julgada, uma mulher contou que se relacionou por mais de 14 anos com o parceiro que continuava legalmente casado com outra, até que ele morresse, em 2011. Ela afirmou que os dois moraram juntos em algumas cidades do Rio Grande do Sul e no Paraná.
Ao divulgar o caso, o site Migalhas jurídicas observa que o reconhecimento de união estável paralela a um casamento é incomum. O Código Civil estabelece como exceção só quando a pessoa é separada de fato ou judicialmente. O site diz que a decisão também é incomum, porque concluiu que a esposa sabia que o marido tinha aquela relação fora do matrimônio e essa peculiaridade fez diferença na decisão.
Relator do caso, o desembargador José Antônio Daltoé Cezar observou que, uma vez comprovada a relação extraconjugal "duradoura, pública e com a intenção de constituir família", ainda que concomitante ao casamento, é possível, sim, admitir a união estável "desde que o cônjuge não faltoso com os deveres do casamento tenha efetiva ciência da existência dessa outra relação fora dele, o que aqui está devidamente demonstrado", afirmou. Para ele, "se a esposa concorda em compartilhar o marido em vida, também deve aceitar a divisão de seu patrimônio após a morte, se fazendo necessária a preservação do interesse de ambas as células familiares constituídas".
AFETO – O relator disse ainda também que não pode o "formalismo legal" prevalecer sobre uma situação de fato consolidada por anos, e que no direito de família contemporâneo o "norte" é o afeto. "Havendo inércia do legislador em reconhecer a simultaneidade familiar, cabe ao Estado-juiz, suprindo essa omissão, a tarefa de análise das particularidades do caso concreto e reconhecimento de direitos", salientou.
O magistrado considerou que o conceito de família está em transformação, "evolução histórica" atrelada a avanços sociais, permitindo a revisão do princípio da monogamia e o dever de lealdade estabelecidos. "Deixando de lado julgamentos morais, certo é que casos como o presente são mais comuns do que pensamos e merecem ser objeto de proteção jurídica, até mesmo porque o preconceito não impede sua ocorrência, muito menos a imposição do 'castigo' da marginalização vai fazê-lo". Só o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos votou contra a decisão, por entender que o direito de família brasileiro está baseado no princípio da monogamia. (Com Migalhas jurídicas)