Ainda criança, morando na periferia de São Paulo na década de 1970 e, entre pipas e carretos de feira, eu já leitor compulsivo frequentava as bancas à caça de gibis e revistas e lia na Placar sobre as façanhas dos clubes de Campo Grande, com destaque para o então poderoso Operário, em matérias assinadas por Silvio de Andrade. Nessa época, nem imaginava que iria morar na futura Capital do novo estado, nunca havia pensado em ser jornalista e nem poderia supor que no fim daquela década iria trabalhar no Diário da Serra, um dos extintos jornais dos Diários Associados – primeiro como paginador e, alguns meses depois, como repórter, à convite do então chefe de redação Silvio Martinez. Muitos anos depois, contei ao Silvio de Andrade que fui seu leitor e falei da minha satisfação por ter se tornado seu colega. Hoje, ao completar 50 anos de seu ingresso no mesmo Diário da Serra, também adolescente, o Silvio (de Andrade) contou sua trajetória na profissão no Facebook, que faço questão de reproduzir aqui no Blog. Leia a íntegra:
Por Silvio de Andrade:
"50 anos de jornalismo e resiliência...
Amigos,
Setembro, mais do que a primavera ou a chegada da brisa mais agradável de sentir, foi para mim o mês de transformações pessoais, novos rumos, de sem volta. Um divisor de águas. Não me lembro o dia, mas foi em setembro de 1970: fui à redação do Diário da Serra, jornal dos Diários Associados que funcionava no prédio ao lado do Edifício Dona Neta, na Avenida Afonso Pena, e o editor Ruy Santana (falecido) me indagou: "você quer ser repórter?"
Era o que eu mais queria! Faria 17 anos em novembro e pelo menos um ano de “experiência” como colaborador da editoria de esportes do jornal, enviando sistematicamente notas de um campeonato suburbano, o qual correspondia à terceira divisão do futebol amador de Campo Grande. Junto com o texto, uma foto de time posado ou o filme a ser revelado, usando uma máquina fotográfica amadora de última qualidade.
"A foto não vai prestar", repetia sempre o jornalista Waldir Cardoso (falecido), então o editor de esportes, sem dar muita importância à presença daquele insistente garoto franzino e tímido. O fato é que a matéria era publicada no outro dia, e com foto! Razão suficiente para explodir o coração do menino de tanta alegria e entusiasmo, que, de colaborador assíduo, passou a conviver com os veteranos jornalistas e fotógrafos do naipe de Raimundo Alves Filho e Roberto Higa, novato na profissão.
A paixão pelo jornalismo veio em dose dupla: escrita e fotografia. A guinada na minha vida começou com a mudança para a casa dos meus padrinhos, que moravam na Vila Carvalho, aos 13 anos. Lá, tive acesso ao mundo da informação e da música, vindo de uma família pobre, de raízes rurais. Ouvia na vitrola discos da MPB e a leitura predileta não eram os livros, mas o jornal Gazeta Esportiva e as revistas Cruzeiro, Manchete e, depois, Realidade, Veja.
Quando nasceu o Diário da Serra, em 1968, aquele “novo” jornalismo me fascinou. Grandes reportagens bem produzidas do cotidiano, fotos em oito colunas... Estava acostumado a folhear jornais tradicionais da cidade cujos textos eram burocráticos, as imagens em clichês de arquivo e repetidas. Não havia reportagens, apenas relatos, registros. O DS mudou o jornalismo de Mato Grosso com profissionais locais e de outras praças.
Também influenciou aquele garoto franzino e tímido. Nos momentos vagos durante o meu trabalho numa imobiliária situada na rua 14 de Julho, da família Freire de Aragão, eu aprendia de datilografia e redigia textos (sobre futebol, claro) para alguns semanários, como O Mato-Grossense e Equipe, um jornal de esportes editado pelo saudoso radialista Leite Neto. Tinha até uma coluna – “O Sofredor” – com notas e anedotas, imitando um colunista do O Globo.
Quando o Ruy Santana me perguntou se queria trabalhar em jornal, deu uma tremedeira de emoção. Quase não consegui responder sim. Naquela semana de setembro de 1970 realizei meu sonho, cobrindo vaga deixada pelo grande amigo e radialista Gomes de Morais, que trabalhou muitos anos na Câmara Municipal. Assim, estou completando 50 anos de profissão, embora o primeiro registro como repórter em carteira data de 1º de março de 1971.
No DS, entrei para cobrir esportes, ao lado do Waldir Cardoso, e logo assimilei o manuseio de uma máquina fotográfica profissional com as dicas dos mestres. Ia para os campos da várzea com uma câmera Yashica de filme formato 6x6, com a qual fotografei o Morenão em obras e publiquei uma página na Gazeta Esportiva. Nessa época, eu gostava também de desenhar, levava jeito, e na falta de um diagramador, fui “nomeado” a dar vida às páginas do jornal.
Dois anos mais tarde, aos 19 anos, era o editor de esportes e acumulava a função de diagramador. Cobrimos grandes pautas, como a inauguração do Morenão, que sediou uma subsede da Taça da Independência (Mini-Copa), em 1972, com as seleções do Paraguai, Iugoslávia, Venezuela e Bolívia. E o surgimento do futebol profissional, no mesmo ano. Já nessa época era freelancer do O Globo, onde filtrava meus textos seguindo um manual de redação.
Com o Diário da Serra em decadência, por incompetência de gestão e interesses escusos de seus diretores, em 1975 me rendi aos convites do jornalista Antônio João e fui para o Correio do Estado. Jornal de linha dura, não tinha muita liberdade, com horários rigorosos somente de entrada. Foram quatro anos e muito aprendizado. E muitos bate-bocas com o AJ (risos). O esporte do Correio era, modestamente, a melhor cobertura de um futebol em ascensão, mas nunca agradei ao chefe, nunca recebi um elogio por grandes furos e vendagens do jornal.
Em 1977, realizei outro sonho: trabalhar na Revista Placar, onde fiquei até 1983, no início da decadência do nosso futebol depois da divisão de Mato Grosso. Já trabalhava no serviço público, afastando-me do esporte. Trabalhei em quase todos os governos estaduais, exceto do Harry Amorim Costa e Marcelo Miranda.
Em 1983, depois de ser demitido da Comunicação do governo de Wilson Barbosa Martins, integrei a equipe da Radiobrás no Estado. De 1984 a 1992, fui correspondente do Jornal do Brasil no seu auge. Uma escola! Tive uma rápida passagem pelo O Estado de S. Paulo e, no final dos anos de 1990, voltei a trabalhar para O Globo. Passei uma boa temporada em Corumbá, onde voltei ao Correio do Estado reatando amizade com o AJ (risos), e atualmente estou no governo estadual.
Foram décadas de muita entrega e comprometimento a uma das paixões de minha vida, espero ter cumprido e sido coerente com o verdadeiro papel do jornalista. Nestes 50 anos, a redação, em suas várias formas de pensamentos, comunicação e revoluções tecnológicas, foi a faculdade que não tive. Um grande aprendizado que ainda trilho com toda a experiência adquirida. E agradeço a Deus por esse dom e dele sobreviver como um veterano de guerra na onda cibernética.
Viva o jornalismo!"