João Grandão (*)
Uma história escrita por mim e por você
Pediram para que eu redigisse um texto sobre os 38 anos de criação do estado do Mato Grosso do Sul. Além de honrado, senti-me também desafiado a abordar o tema não só pela ótica do homem público, com mais de 30 anos nos movimentos sociais, sindicais e de vida parlamentar, mas também como o acadêmico João Batista dos Santos, formado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), com especialização em História da América Latina.
Inicio esta reflexão, portanto, destacando que a história do Mato Grosso do Sul, antes mesmo de ser “do Sul”, foi escrita por todos nós. Sim, porque para algumas correntes historiográficas, as memórias da humanidade não são construídas apenas por personagens ilustres e suas grandes realizações, mas por todos aqueles que formam uma determinada sociedade.
Ou seja, caro leitor, quando estiver cantando o hino do Mato Grosso do Sul e os nomes do senador Vespasiano Barbosa Martins, do coronel Carlos de Morais Camisão, do tenente Antônio João Ribeiro, do coronel e engenheiro Ricardo Franco de Almeida e dos índios Guaicurus, saiba que ali poderia muito bem constar o seu nome.
Nada mais lógico. Afinal, a História é uma ciência que, em grego, significa “conhecimento através da investigação” e remonta o passado da humanidade e sua evolução tendo como referência um lugar, uma época, um povo ou um indivíduo específico. Ou seja, nosso passado e nossas memórias também foram construídos por cidadãos e cidadãs anônimos (ou não) como você, que não possuem um busto em estátuas e monumentos nas praças e ruas mas que também são gente de dentro (e de fora) deste Estado, migrantes e imigrantes que vieram para cá fazer... História (com ‘h’ maiúsculo mesmo).
Falo por mim. Eu, mais um João, brasileiro, anônimo, negro, invisível, de família humilde, criado na roça. Fiz história aqui e, por que não dizer, tive minha trajetória de vida mudada graças a esta linda terra e a esse povo sofrido, guerreiro e hospitaleiro. História que, em certos momentos, chega a se confundir com a minha.
Nascido no interior de São Paulo e criado em Terra Rica, pequena cidade paranaense fronteiriça com Mato Grosso do Sul, minha família mudou-se para Ivinhema no período em que concretizava-se o sonho do movimento libertário e divisionista pela criação do estado de Mato Grosso do Sul.
Iniciava ali também a minha trajetória de emancipação na melhor estrada que um jovem simples e humilde como eu poderia trilhar: uma faculdade.
Por uma vida melhor para mim e meus pais, que me criaram com muito amor e dignidade e deixaram como legado a importância dos estudos e do respeito ao próximo, fui morar sozinho no interior de São Paulo e, um tempo depois, regressei para Ivinhema e logo após me estabeleci em Dourados, onde casei, constituí família e moro há mais de 30 anos.
Assim como Mato Grosso do Sul, alguns poderiam pensar que minha emancipação foi tardia, afinal de contas trabalhei na roça até quase 20 anos. Mas quis Deus que eu passasse por esse longo e intenso período de amadurecimento, de valorização do trabalho, das coisas do campo, conhecendo de perto a realidade dos trabalhadores rurais, da agricultura familiar, dos indígenas e quilombolas, os acampados e assentados que sonham por um pedaço de chão para plantar e criar suas famílias com respeito e dignidade.
Essa fase, que eu chamo de “Universidade da Vida”, forjou meu caráter e deu-me a convicção de que era necessário me aprofundar em áreas de conhecimento que me abrissem portas e dessem acesso a algum meio de contribuir por um mundo melhor para esse povo simples e lutador.
Hoje sou formado em duas universidades (Direito e História), com 30 anos de magistério pela Rede Estadual (completados em 2015), tendo a honra de lecionar também na UFMS como professor substituto. Mas escrevi minha história também (e a do meu povo) como vereador de Dourados, presidente do Sindicato dos Bancários de Dourados, deputado federal reeleito por Mato Grosso do Sul, delegado federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário e atualmente como deputado estadual.
É por isso que eu sempre digo: nunca julgue um homem pela história que querem construir dele. O homem tem de ser julgado pela história que ele construiu. E tenho em mim, sem sombra de dúvida, uma certeza de que minha história ainda não acabou e que o melhor ainda está por vir para o nosso Mato Grosso do Sul.
Afinal de contas, são milhares de sul-mato-grossenses, pessoas - anônimas ou não - como você, empunhando a mesma pena, escrevendo com a mesma caneta um futuro melhor para o nosso povo.
E aí colega, vamos fazer História?
(*João Batista dos Santos, o João Grandão, é casado, pai de dois filhos, avô de três netos, professor de História, advogado, e deputado estadual pelo PT-MS)
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Postado por: João Grandão (*), 12 Outubro 2015 às 14:45 - em: Falando Nisso