
Uma brasileira: Ada Rogato
“A vida é mais emocionante quando se é ator e não espectador; quando se é piloto e não passageiro; pássaro e não paisagem, cavaleiro e não montaria!” (Dalai Lama)
Com este texto, encerro uma trilogia que criei à minha maneira para homenagear as mulheres antes, durante e depois do 8 de março, Dia Internacional da Mulher: o primeiro foi sobre Hipátia de Alexandria, o segundo sobre a Rainha Vasti, e este, por último e não menos importante, sobre uma brasileira que, com muita competência, ousadia e inteligência foi a primeira mulher do país a obter licença como paraquedista, a primeira volovelista (piloto de planador) e a terceira pessoa a obter o brevê como piloto de avião, sendo também a primeira piloto agrícola do Brasil: Ada Rogato (1910-1986).
Os dados sobre essa mulher extraordinária foram obtidos do livro “Ada. Mulher, pioneira, aviadora” escrito pela jornalista Lucita Briza.
Nascida em 1910 em São Paulo, educada para ser dona de casa, Ada não aceitou a imposição de seu pai. Ela recebeu a mesma educação dada à maioria das moças de classe média de sua época — além do colégio, teve aulas de piano e pintura , mas sua ambição ia além: queria aprender a voar, algo impensável para uma moça de família dos anos 30. Ada não abandonou o sonho mesmo quando seus pais se separaram e ela teve que ajudar a mãe não só nas atividades domésticas como em bordados e trabalhos artesanais para sustentar a família.
Em 1940 Ada foi admitida no Instituto Biológico, órgão do governo do estado de São Paulo, como datilógrafa. Esse início de carreira profissional foi fundamental para que ela conseguisse financiar suas próprias aventuras enquanto mantinha a rotina de trabalho. Ada se manteve no serviço público até o fim da vida, passando a trabalhar mais tarde na Secretaria de Turismo.
Os feitos de Ada no campo da aviação são memoráveis, tais como: em 1935, a bordo de um Grunau Baby, ela se tornou a primeira sul-americana a obter o brevê “C” de piloto de planador reconhecido internacionalmente e que permite a prática do volovelismo (voo a vela) em todo o mundo. O mesmo entusiasmo a levou a realizar, em março de 1936, ao fim de apenas 2 horas e 20 minutos de treino, seu primeiro voo solo em avião. Cumprido o período de instrução, a bordo de um Tiger-Moth de 90 HP, ela se tornou a primeira mulher apta a conduzir uma aeronave pelo Aeroclube de São Paulo. A partir de então, passou a participar de novos tipos de competições e exibições aéreas sem deixar de lado o volovelismo.
Ao ser entrevistada pela Rádio Tupi de São Paulo em 1941, Ada defendeu que as atividades femininas deveriam abranger “todos os setores da ação humana”, desde que não implicassem “na perda daquilo que é o maior atrativo da mulher: a feminilidade”.
Charles Astor, instrutor de shows de paraquedismo contratado pelo Aeroclube de São Paulo, num lance de grande ousadia quis ir ainda mais longe: propôs a seis de seus novos alunos – entre eles Ada, a única mulher – um desafio maior, até então nunca enfrentado em todo o mundo: um salto coletivo à noite – e não para descer em terra, mas no mar. O local escolhido foi a Baía de Guanabara. O evento foi marcado para 19 de abril de 1942, em comemoração ao aniversário de Getúlio Vargas. Naquela noite, com cerca de 30 mil espectadores reunidos em torno da Baía, entre eles o próprio Presidente da República, Ada e seus companheiros saltaram de dois Focke Wulf pertencentes à Aeronáutica, iluminados por holofotes do Exército, que, ao término da operação, traçaram nos céus o “V” da vitória. Para Ada, foi também uma vitória da coragem sobre o medo. Dias mais tarde, de volta ao Instituto Biológico, ela confessou a uma colega de trabalho que o momento em que afundou na água, em meio à escuridão, foi o de maior temor que já tinha enfrentado na vida.
Em janeiro de 1950, Ada conseguiu uma licença em seu trabalho no Instituto Biológico e iniciou uma série de voos pelas Américas. Antes de partir, ela declarou: “Vou animada e certa da vitória”. Ela percorreu os seguintes circuitos:
- O Sul-Americano em 1950, passando por Paraguai, Argentina, Chile e Uruguai, tornando-se a primeira brasileira a cruzar os Andes, pilotando um Paulistinha CAP-4 de apenas 65 HP, totalizando 11.200 km em 116 horas de voo solitário;
- O circuito pelas Três Américas em 1951, quando, sem poder contar com instrumentos para “voo cego” e a bordo de um novo modelo de avião – o “Brasil”, um Cessna 140-A de 90 HP –, Ada passou por todos os países (exceto a Bolívia) e territórios americanos, indo até o Círculo Polar Ártico, no Alasca. Com esse voo solitário, bateu o recorde mundial de maior distância (51.064 km) percorrida em avião de pequeno porte;
- O Brasil-Bolívia, em 1952, quando, sozinha e com o mesmo Cessna, Ada atingiu o aeroporto de El Alto (La Paz, Bolívia), o mais alto do mundo, a 4.071 metros de altitude. Até então, nenhum piloto – homem ou mulher – havia tentado aterrar ou decolar de El Alto com uma aeronave tão pouco potente;
- O circuito pelo Brasil, em 1956, no chamado Ano Santos-Dumont (50º aniversário do primeiro voo do 14-Bis). Ada realizou uma viagem aérea por todo o território nacional (25.057 km em 163 horas de voo), incluindo o Brasil Central, sobrevoando trechos ainda não devassados do então chamado “inferno verde”, como a área Xingu-Cachimbo-Jacareacanga, tornando-se assim a primeira piloto a voar sobre a selva amazônica num avião pequeno e sem rádio;
- Por fim, em 1960, voou até a Terra do Fogo, saindo de Piracicaba em direção a Ushuaia, na Argentina – a cidade mais ao Sul do planeta, sendo a primeira a chegar até lá pilotando. Nesse percurso, sempre sozinha a bordo do mesmo “Brasil”, voou 12.800 km em 82 horas e 43 minutos.
Ada, por sua vez, continuava enfatizando seus princípios, dando o exemplo, por meio de suas atitudes, de que “a mulher é, tanto quanto o homem, capaz dos mais arrojados feitos”. Ela procurava, na medida do possível, levar sua vida pessoal normalmente, entre os afazeres profissionais e o lazer, como toda moça de sua idade.
Ada foi a primeira pessoa do mundo a sobrevoar a selva amazônica num monomotor, sem rádio, apenas com uma bússola, em 1956, além de ter sido a primeira paraquedista do Brasil, entre homens e mulheres, e a primeira mulher paraquedista da América do Sul.
Na década de 50, ela saltou de paraquedas em Ponta Porã, MS. Meu sogro, Primitivo Aymoré – que de Primitivo só tinha o nome, porque era muito antenado – levou sua filha de apenas 7 anos, Rosaria (minha futura mulher) para assistir ao salto de Ada, e esse momento ficou registrado em sua memória.
Uma frase de Ada que demonstra seu amor pelo Brasil e seu desejo de divulgar nosso país: “Eu não viajo por turismo. O Brasil é muito grande; é um país muito especial. Eu quero divulgar esse país para o mundo”.
Ada Rogato, com sua alegria e entusiasmo contagiantes, representa com muita fidelidade a coragem feminina e enobrece as mulheres.
Para finalizar, há uma frase do filósofo Sêneca que exemplifica muito bem a filosofia de vida dessa grande mulher e exímia aviadora: “Não é porque as coisas são difíceis que não ousamos; é porque não ousamos que as coisas são difíceis”.
(*Heitor Rodrigues Freire – corretor de imóveis e advogado)
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Postado por: Heitor Freire (*), 15 Março 2025 às 10:15 - em: Falando Nisso