Marcelo Salomão (*)
Um retrocesso na garantia do bem de família
Em tempos de discussão de concessão de crédito responsável para consumidores e de formas de renegociação e repactuação de dívidas, na contramão da Lei Federal n. 14.181/2021, conhecida como “Lei do Superendividamento”, que alterou o Código de Defesa do Consumidor – CDC, o Projeto de Lei 4188/2021 altera a atual regra geral que considera o imóvel de família impenhorável.
O texto, de autoria do Executivo, já fora aprovado no início do mês pela Câmara dos Deputados e amplia as possibilidades de bens de família oferecidos como garantia em empréstimos.
Ao contrário da recente alteração do CDC, que garantiu meios que possibilite o consumidor a revisar e repactuar suas dívidas de modo que tenha seu “mínimo existencial” preservado, a proposição em questão, com a justificativa de facilitar os acessos ao crédito a consumidores e empresas e diminuir os juros, permite que um mesmo imóvel seja usado como garantia em várias operações de crédito.
Cumpre relembrarmos que é considerada bem de família a propriedade destinada à residência e moradia da família, não podendo ser penhorado e nem sofrer nenhuma forma de apreensão, não respondendo, portanto, por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.
Referido bem é preservado por lei, contando somente com algumas exceções, como por exemplo, em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato, dentre outras.
Se a proposição for aprovada e sancionada, tal bem poderá ser utilizado como garantia de um ou mais empréstimos.
O objetivo do projeto, de colocar um único imóvel da família como garantia, para que o consumidor tenha acesso a um ou mais empréstimos em um primeiro momento pode até parecer benéfico, no entanto, caso o consumidor se torne inadimplente em apenas uma das dívidas, o credor poderá executar a garantia, fazendo com que a única casa que a família tem e reside seja “tomada” pela instituição financeira: um completo absurdo!
Primeiro porque na contramão da concessão de crédito consciente, o consumidor acaba sendo estimulado a contrair empréstimos, com possibilidade de “dar” em garantia o mesmo bem para concessão de um ou mais empréstimos, o que, por certo, o endividará ainda mais.
Segundo porque o consumidor terá sua moradia ameaçada, direito fundamental consagrado pela Constituição Federal.
Ora, caso aprovado, o texto afetará diretamente a Lei da Impenhorabilidade, que determina que uma família não pode dar em garantia o seu único bem imóvel, senão para o seu próprio financiamento, ou seja, o bem imóvel, tido como de família, que não poderia ser tomado em nenhuma circunstância, salvo as exceções legais, passará a servir de garantia na obtenção de outras modalidades de crédito, como o crédito pessoal, muitas vezes sem destinação específica, solicitado apenas para pagar outras dívidas bancárias.
Assim, devemos estar atentos e fazer gestão a não aprovação do texto proposto que afetará, ainda, diretamente o equilíbrio da relação e consumo, ressaltando ainda mais a vulnerabilidade do consumidor perante as instituições financeiras, sendo um verdadeiro retrocesso na defesa do consumidor.
(*Marcelo Monteiro Salomão é advogado, mestre em Direito Civil e ex-superintendente do Procon-MS)
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Postado por: Marcelo Salomão (*), 08 Junho 2022 às 12:15 - em: Falando Nisso