Um presente, para Geraldo Roca Dante Filho (*)

Um presente, para Geraldo Roca

O pacote chegou no dia de Natal. Era uma caixa de tamanho médio, embrulhada com papel barato de tom avermelhado, amarrado com uma fita azul de organdi. Pelo peso, parecia não ter nada dentro. Chacoalhei várias vezes e desconfiei de que se tratava de uma brincadeira. Não havia cartão, não havia qualquer indicação de origem, apenas uma caixa vazia. 
 
Deixei em cima da mesa da sala e não abri. Achei que o objeto bastava a si mesmo. Depois pensei que lá dentro pudesse haver uma carta. Com muito cuidado, tornei a sacudir para tentar ouvir o som de algum envelope solto, o que talvez me desse um sinal de que algum amigo estava tentando me pregar uma peça. Nada. Não havia nada.
 
Deixei a caixa onde estava. Caso fosse uma piada, tudo se revelaria com o tempo. A curiosidade requer paciência para que se aprenda algo sobre ela, principalmente quando as coisas aparecem à sua frente sem que haja qualquer explicação lógica para estar ali. 
 
Sei que a data era propícia para presentes. Não existe nada mais sugestivo do que uma caixa embrulhada com esmero, evocando sensações de que, afinal, alguém no mundo decidiu gratificá-lo com algo que simboliza afeto, amizade, saudades. É desse jeito que acontece nos natais. 
 
Mesmo assim, percebi que abrir aquela caixa seria o mesmo que desfazer para sempre o mistério de sua existência. Ou ainda de prolongar o gozo de quem desejava sua (a minha) alegria. O significado de tudo aquilo se resumia no gesto. E o gesto, por sua vez, revelava um sinal. E o sinal que guardava em si aquele acontecimento era como uma pesada espada sobre minha cabeça rogando sobre qual a melhor decisão a tomar. 
 
Abrir a caixa e saber qual o seu conteúdo – seja lá o que fosse – poderia ser o mesmo que conspurcar a delicadeza de quem desejava me ofertar apenas um momento especial, o sonho do presente irrealizado. Mantê-la fechada, porém, seria o mesmo que guardar um mistério inútil, num ato de egoísmo, retraindo minhas entranhas e retendo minhas misérias. Seria algo vingativo.
 
Por uns instantes, pensei em jogar a caixa no lixo e esquecer aquele assunto. Depois, girando em torno da mesma questão – abrir ou não abrir – comecei a olhar o relógio, esperando que a noite ultrapassasse aquela angústia e transformasse o dia seguinte em apenas mais um dia, um dia comum, sem qualquer magia, em que caixas são apenas caixas, luzinhas vermelhas são apenas luzinhas vermelhas, não havendo, horas depois, ao cair a madrugada, nada mais importante do que o sono que reconstrói as tramas para nos jogar no emaranhado mundano dos dias seguintes. 
 
Foi pensando nessas coisas que o telefone de repente tocou, e eu acreditei que o mistério estava chegando ao fim. Seria agora revelado o segredo daquela caixa, eu manifestaria a minha (falsa) surpresa, daria as risadas de sempre, conversaria trivialidades, mandaria lembranças à Maria e às crianças, e tudo estaria encerrado, afinal, é natal, viva o Papai Noel. 
 
– Alô, é o Pedro? Pedro?
 
– Não, meu senhor, aqui não é a casa do Pedro. O senhor deve cometido um engano.....
 
Desligaram de imediato, abruptamente, com pressa. Olhei novamente para a caixa, analisei seu formato, imaginando que ali caberia um par de sapatos, e ficamos parados como se ela olhasse para mim com a mesma dúvida que eu olhava pra ela, ao seu conteúdo imaginário, ao seu significado vacante, à vaga distância das similitudes entre o nada que eu imaginava haver dentro dela e o vazio que estava sentindo naquele momento. 
 
Peguei a caixa com as mãos e a sacudi, desta vez com força. Coloquei-a juntos ao ouvido. Manuseei-a sob todos os ângulos. Cheirei-a. Tive vontade de lambê-la, mas aí seria demais, pois poderia ser o primeiro sinal de loucura. 
 
Por um breve momento, decidi desatar o nó da fita, desembrulhar a caixa e descobrir, afinal, o que tinha lá dentro, apesar de ter quase certeza de que não havia nada, um objeto banal que fosse, uma folha de papel de seda, um cartão colorido, qualquer coisa que pudesse ser palpável, que me fizesse acreditar que o ínfimo às vezes tem a magnitude do universo. 
 
Mas de imediato recuei. Decidi deixar tudo como estava. Aquele presente talvez não fosse um presente, apenas lixo enviado por engano, e que, por injunções de minhas circunstâncias especiais, me fizeram pensar na importância das coisas inexistentes, na grandeza do nada, na eloqüência das palavras não ditas, simplesmente, em quanta esperança pode conter o vazio imenso de uma caixa no dia de Natal.
 
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
 


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Postado por: Dante Filho (*), 28 Dezembro 2015 às 14:45 - em: Falando Nisso


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