Dante Filho (*)
Um “escândalo” em busca de uma narrativa
Recentemente, numa entrevista à Revista Piauí, o historiador Evaldo Cabral de Mello, afirmou que é muito fácil entender o Brasil. Nada de grandes elucubrações. Tudo se resume a corrupção, incompetência e falta de caráter. Por mais que essa constatação machuque nosso narcisismo, não há como deixar de considerar que essa é a nossa verdade histórica.
Acompanhamos os atuais acontecimentos em todo o País e ficamos surpresos com a crescente sofisticação dessa tríade “enigmática” que nos persegue. Corrupção, incompetência e falta de caráter: basta seguir estas pistas que vamos compreender claramente o fenômeno existencial de nossa Pátria educadora.
Lembro-me de começar a ler sobre escândalos nacionais a partir do início do processo da abertura, no fim do período da ditadura. O dinheiro da propina transitava no processo de pagamento de grandes obras. À medida que as instituições foram se aprimorando e o controle das contas públicas melhorou, o noticiário do toma-lá-dá-cá mostrava que, comparativamente, a coisa antigamente era meio amadora, com certo primitivismo nutrido pela certeza da impunidade. Muitos corruptos hoje devem pensar: “bons tempos aqueles...”
Raramente alguém era punido por esses “crimes vulgares”. Nos anos 80, quem transformou a bandeira do combate à corrupção numa pauta de interesse geral foram os partidos de esquerda, à frente o PT. O PCB (hoje PPS), diga-se de passagem, não entrou nessa onda e desqualificava o tema por considerar a questão como coisa de “pequeno burguês” ou “udenista rançoso”. Os tempos mudaram.
E assim seguimos a nossa trajetória. A coisa começou a bombar mesmo com a concorrência fajuta da ferrovia norte-sul de Sarney, com o impeachment de Collor; depois, com a compra de votos para viabilizar a emenda da reeleição de FHC; e, na esteira desses acontecimentos, vieram os grampos do processo de privatização, a prisão juiz Lalau, as obras de Maluf e assim por diante. Nessa época, a “imagem” passou a ser um elemento fundamental de interação entre o público e o privado.
A mídia descobriu um filão de audiência. Colocar poderosos sob suspeita mexia com o imaginário da Nação. Com isso, com o passar do tempo, havia necessidade não somente de formalizar a denúncia, mas de formatar, em detalhes, uma narrativa novelesca de como a roubalheira se dava no plano concreto.
É preciso lembrar que o crime também se sofisticou. Era preciso encobrir o rastro do dinheiro, lavá-lo dos esquemas sujos, fazê-lo cruzar países, entrar e sair de contas bancárias nos paraísos fiscais, forjar documentos de consultorias, inventarem esses troços esquisitos do contrato de gaveta e vaca-papel, sem contar os prosaicos “dólar na cueca” e compra de imóveis de fachada. O Brasil deu grandes saltos nessa área, principalmente no governo do PT, sob o comando de LulaDilma.
E, paralelamente, o jornalismo também. A imprensa precisou aprender a investigar crimes complexos (mensalão, Lava-Jato etc), com muitos personagens envolvidos, sempre se respaldando nas informações técnicas do Ministério Público, Polícia Federal, Gaeco e STF, até para se proteger da indústria de ações por danos morais.
Mais importante: aprendeu a construir narrativas para facilitar o entendimento dos crimes perpetrados por moradores de altas esferas do poder.
Desenho todo cenário para entrar no assunto local: comentar a reportagem-bomba do “Fantástico”, na semana passada, envolvendo o prefeito de Campo Grande, com a cobertura subseqüente da TV Morena. Não se fala de outra coisa na cidade. Há uma denúncia midiática forte. Há tensão no ar. Há muito nervosismo.
Olarte é principal suspeito. É o Al Capone do momento. Mas não existe uma narrativa crível de como as coisas aconteceram para que se esclareça a existência real de um “escândalo”. Não se discute que ele peca pela imperícia, imprudência e negligência. Isso são favas contadas. Neste sentido, ele segue os passos de Bernal, inclusive demonstrando que também sofre de disfunção cognitiva.
Só que parece que tudo está sendo feito sobre as pernas. Nessa toada, abre-se espaço para qualquer tipo de especulação, fofocas e invencionices, inclusive contra o próprio jornalismo. O GAECO – fonte originária dos fatos - parece que se esconde no armário, não ousando dizer seu verdadeiro nome. A classe política está atônita porque parece saber mais do que está sendo divulgado, temendo que a “verdadeira” história possa chegar ao público eleitor. Partidos se movimentam nos bastidores para armar um complicado jogo de poder. Enfim: parece que não há culpados nem inocentes; todos são cúmplices.
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: Dante Filho (*), 26 Maio 2015 às 16:00 - em: Falando Nisso