Heitor Freire (*)
Um clochard
O tempo passa, continuamente. À medida que o relógio corre, vão-se os minutos; e podemos estar certos do seguinte: agora, há menos minutos em nossa encarnação do que havia há alguns momentos atrás. Portanto, devemos ter sempre em mente a ideia de que o tempo tem o seu valor no que concerne ao seu emprego. Somente na medida em que utilizamos bem o nosso tempo, nos tornamos capazes de extrair dele algo de valor, transformando o no verdadeiro tesouro que ele representa. A experiência, o conhecimento acumulado nesta encarnação, no campo físico, mental e espiritual, fundamenta se naquilo que temos adquirido ao longo da vida.
E embora todos saibamos que o tempo é apenas uma contingência da situação terrena em que vivemos, ele é indiscutivelmente irreversível e leva em suas asas muitas oportunidades de nossa vida, que deixamos passar.
A velocidade imposta pelos tempos modernos em todas as atividades humanas, acaba se constituindo num fator de desperdício, e isso ocorre principalmente com os mais jovens, que quase sempre se tornam vítimas dos modismos e da necessidade de afirmação, querendo, a todo custo, mostrarem-se atualizados e “por dentro das coisas”.
A esse propósito, bem observou o escritor Juvenal Arduini, em Destinação Antropológica: “O homem é essencialmente utópico porque não se cansa de lutar para que a verdade, a liberdade, o alimento, a saúde, a solidariedade, a dignidade, a participação de todos nos bens econômicos e culturais fixem residência definitiva na sociedade. Identificar utopia com fantasia é expediente utilizado para impedir que ela se enraíze no chão da história”.
Reagindo a essa velocidade que nos consome, de repente me vi como um clochard, rimando com a perfeita definição de utopia, descrita por Juvenal Arduini. Clochard, no mais puro romântico e filosófico sentido do termo, significa vagabundo, pessoa que não trabalha, embora o meu caso seja de desfrute puro e simples. E merecido.
Clochardiar minha vida, é o momento que estou vivendo agora. Sempre trabalhei muito. Desde os sete anos, vendendo bilhetes de loteria na rua, sem saber direito o português, ajudando meu pai. E naturalmente, continuo provendo minha sustentabilidade. Mas num novo diapasão. De leve, de vanguê...
Enfim, assim, com a consciência do dever cumprido, me sinto no direito de usufruir de um dolce far niente, mas sempre com um olhar atento, para que possa ainda contribuir com todas as entidades de que participei e ainda participo, como no Sindicato dos Corretores de Imóveis, no Instituto Histórico e Geográfico e na Santa Casa, onde, aliás, coordeno o centro histórico e cultural.
Ou seja, como um clochard, mas não tanto. Sem pendurar as chuteiras. Na continuidade consciente de que a vida não se esgota numa encarnação e que utopia, tal como considerada, se constitui num ideal de vida, na concretização de sonhos que inspiram e ajudam a transformar este mundo, que se empobrece pela velocidade dos modismos e necessidade de afirmação, e que mais que nunca carece da utopia.
(*Heitor Rodrigues Freire – corretor de imóveis e advogado)
Deixe seu comentário
Postado por: Heitor Freire (*), 09 Dezembro 2023 às 09:00 - em: Falando Nisso