Todos brilham Wander Medeiros (*)

Todos brilham

Para Gandhi “há dois tipos de pessoas: as que fazem as coisas, e as que dizem que fizeram as coisas; tente ficar no primeiro tipo, há menos competição”, e vou te confessar uma coisa, esse aforismo verdadeiramente me importa, desde quando me entendo por gente, com certeza o “trabalho” é a marca mais indelével da minha existência.
 
Quando seus pais são donos de lanchonete, você aprende muito cedo que servir é uma arte de fino trato e compatível com a tenra idade, anotar um pedido diretamente do cliente e repassar ao “chapeiro”, abrir um refrigerante e levar até à mesa, são tarefas relativamente simples, e que você cumpre a contento desde que tenha um sorriso no rosto e uma boa dose de dedicação.
 
Aliás, é gozado como enquanto subscrevo o parágrafo anterior, só ai me dou conta do quanto provavelmente essa vivência é a responsável pela vida que tenho hoje, já faz muito, muito tempo mesmo que não sirvo mesas ou atendo no balcão da lanchonete, tampouco viajo na Kombi para visitar os mercadinhos da região e vender fardos de salgadinhos “snaks”, ainda assim é curioso perceber que as profissões que escolhi mantém a mesma essência, pois tanto na advocacia quanto na docência, a base é a mesma, trato com pessoas, relacionamento e confiança, ser dedicado e encontrar prazer no que se faz.
 
Mas o que muito me intriga neste tema, meu dileto amigo leitor, é constatar o paradoxo que há entre aquela máxima gandhiana e a sociedade em que temos vivido, assim como a angústia que sinto com tudo isso, o incomodo de buscar uma resposta sobre o caminho correto a seguir.
 
Foi vendo o BBB que conheci este adágio popular de que “prego que se destaca, é quem vai levar martelada”, e lamento constatar que ele resume com precisão as principais características da nossa sociedade contemporânea, o individualismo, no qual você deve se preocupar exclusivamente consigo, indiferente os que tenha que pisar para atingir seus objetivos, o hedonismo, em que o importante é a satisfação de seus prazeres, mesmo que para isso você possa causar feridas emocionais em seus parceiros, o utilitarismo, em que os meios são justificados pela maximização do prazer e a minimização da dor, indiferente os valores morais envolvidos, como por exemplo na proposição de Jeremy Bentham em confinar moradores de rua e obriga-los ao trabalho.
 
Diante desse quadro, receio vivermos em um tempo embriagado pela cultura da “aparência”, onde o que se realiza de concreto com “dedicação e trabalho”, é menos relevante do que se “mostra”, a “estética” vale mais que a “essência”, o “ter” vale mais que o “ser”, e com isso, vamos repetidamente nos afundando cada vez mais no obscuro mundo da infelicidade pessoal, o distanciamento familiar e a frivolidade das relações sociais, até porque, se não me importo com ninguém, provavelmente não há ninguém que se importe comigo.
 
E quando você “trabalha” de forma desinteressada, quer dizer, “trabalha” para o próximo e não para “si”, como por exemplo em instituições beneficentes ou de classe, ou como quando escreve um texto meramente reflexivo como este, vai logo escutando a cobrança: “mas o que você quer com isso..., larga de ser besta e vai cuidar da sua vida..., mas o que você ganha com isso..., deixa de ser sonhador..., deixa de ser ingênuo...”, e mais, e mais, e mais um infinitude de acusações e sermões.
 
Como somos todos humanos com a capacidade única de pensar, essas coisas invariavelmente tem o condão de nos colocar “pra baixo” produzindo uma crise de consciência sobre qual caminho seguir..., tenha fé, em um mundo cada vez mais desprovido de repostas prontas para nossas angústias, acredite, são nas nossas experiências pessoais que podemos encontrar o melhor lenitivo para essas dores.
 
Houve um momento de minha vida que me pus a prova de um certame público, em um átimo de exposição pessoal sem precedentes, nessa ocasião houveram pessoas que generosamente deliberaram ter comigo parte naquele “sonho”, demorará algum tempo para que possa entender a profusão de sentidos que marcou aquela época, mas o fato é que construímos aquela relação com um amalgama chamado “ideal”, e assim medindo a importância das coisas, não pelos “fins”, mas pelos “meios”, não pelo resultado “aparente”, mas por seu “conteúdo”, pude ter a felicidade de ver nascer no bojo adjacente de todo aquele processo uma grande instituição de classe voltada para defesa de ideais apriorísticos de nossa sociedade.
 
Foi nesse tempo que me dei conta que o importante nesta vida não está no máximo individual que possa amealhar durante minha pueril existência, mas no quanto posso compartilhar com o próximo, minha família, meus amigos e a sociedade em que estou inserido.
 
E que é na convivência com as pessoas que preencho e dou sentido à minha existência, e cumpro a maior parte de meu tempo útil de vida caminhando por onde “todos brilham”, onde não há trevas, somente luz.
 
(*Wander Medeiros A. da Costa é advogado em Dourados, professor da UEMS e procurador de Entidades Públicas de MS)
 


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Postado por: Wander Medeiros (*), 05 Julho 2016 às 13:15 - em: Falando Nisso


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