Dante Filho (*)
Terreno baldio da esperança
Não existe sistema eleitoral perfeito. Existem aqueles que funcionam e os que não funcionam em determinado momento histórico. Existem aqueles que são adequados ou desastrosos. Existem os de maior alcance social e os mais restritivos à participação da sociedade.
O cardápio é imenso. Mas organizar um sistema que resulte na formação de governos éticos, responsáveis e eficientes não é tarefa para homens – talvez para santos ou deuses. Até hoje ninguém conseguiu.
No Brasil, a qualquer sinal de crise evocamos essa famosa panaceia: “reforma política”. Tem gente que leva isso a sério. Sejamos tolerantes com os bem intencionados, eles ganharão o reino dos céus.
O modelo para escolha de cidadãos que possam operar a democracia representativa não deve ser estático. Muitos países que atualmente funcionam com regras eleitorais mais ou menos estáveis atravessaram séculos para consolidar formas de organização partidária e legislação eleitoral adequadas. Mesmo assim, volta e meia há questionamentos sobre pontos específicos dos processos eletivos.
Quem leu “Política” de Aristóteles sabe que a democracia não é unívoca. Neste livro, que, pessoalmente, considero uma grande reportagem sobre o funcionamento político da humanidade, fica claro que os arranjos feitos para a conquista do poder revelam sempre o melhor e o pior dos homens.
Cada povo (cidades-estados) tinha seu sistema eleitoral. Na maioria deles, mulheres e escravos não votavam. Em muitos lugares só proprietários e ricos podiam ser candidatos. Em todos eles havia impedimentos discricionários: o poder do dinheiro era determinante, a demagogia era atávica e o populismo um instrumento corriqueiro. Isso há cerca de 300 anos antes da chamada Era Cristã. Mudamos tanto...
Havia conflitos ferozes quando a diplomacia não resolvia os interesses paroquiais. Volta e meia algum general e sua guarda pretoriana davam um golpe. Quando a democracia falhava corria sangue. Enfim, a ideia central de governos eleitos pelo e para o povo foram plantadas em solo pedregoso.
No Brasil, a democracia é um fenômeno tardio. O processo eleitoral foi construído ao sabor das conveniências circunstanciais, renovando nosso coronelismo ancestral. Nos últimos 20 anos, depois do advento da Nova República, voltamos a tatear em busca de um sistema que possa dar representativa política adequada a um País tão vário e complexo como o nosso.
Nos últimos tempos, as ruas tem indicado que eleições no Brasil tem cheiro de fraude. As grandes massas – com educação política zero – não entendem como um deputado ou vereador bem votado não consegue se eleger, enquanto outro zinho, desconhecido, grudado num “puxador de votos” com cara de palhaço, ganha uma cadeira no parlamento.
Mas notem como a classe política – e seus formuladores estratégicos - é estranha: por ironia da vida, em vez de o debate atual voltar-se primordialmente para a resolução do problema da representatividade real, para que, enfim, sejam adotados critérios de meritocracia e da qualificação dos mandatos, o tema da moda é a questão do financiamento de campanha.
Os gênios da raça desde já procuram delimitar o espaço dessa discussão: querem doutrinar os incautos acerca do dilema “financiamento público versus financiamento privado” como se o cerne da questão democrática no Brasil se encontrasse nessa cabeça de alfinete.
Só pessoas ingênuas ou adubadas pela esperteza vão insistir neste debate porque para elas o dinheiro é determinante para que tenhamos uma democracia avançada. O raciocínio (falso) é o seguinte: o financiamento público restringe a corrupção e crises pós-eleitorais. Só que gera outro problema: a política torna-se oligárquica numa dimensão estratosférica. Pergunta-se: quem administrará o dinheiro dos fundos partidários e das campanhas eleitorais? Com quais critérios? Quem serão os candidatos que receberão esses recursos? Quem decide? A sociedade deseja financiar esse modelo? Vão dizer: a lei preverá tudo. Ora, sabemos que há pencas de especialistas para estudar dribles na legislação.
E se tudo continuar como está? Simples: o caixa dois continuará determinando a regra número um do jogo, ou seja, os mais espertos e inescrupulosos vencerão sempre.
Pergunto: não seria o caso de fortalecer as instituições controladoras, vigiando e punindo rapidamente quem transgride preceitos inaceitáveis no republicanismo que queremos construir? Talvez o nosso problema seja regime de governo. Mas quem deseja enfrentar esse debate? Seja lá qual edifício vamos construir neste imenso terreno baldio, é bom saber de antemão que ele terá sempre as virtudes e os defeitos de uma sociedade atrasada e desigual como a que estamos construindo.
Voltarei ao assunto.
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
Deixe seu comentário
Postado por: Dante Filho (*), 27 Abril 2015 às 14:30 - em: Falando Nisso