Edson Moraes(*)
Terra nossa?
O mandante e os pistoleiros que executaram Marçal de Souza Guarany em novembro de 1983 permanecem impunes, assim como insolúveis continuam muitos casos de agressões covardes a lideranças indígenas em Mato Grosso do Sul. E para fazer jus à vergonhosa posição de destaque entre as unidades federativas onde mais índios são vítimas de atentados criminosos, o estado vai acumulando pontos nesse ranking macabro e repulsivo.
Em junho, um ônibus que transportava estudantes de uma aldeia terena de Miranda foi atacado e incendiado. Vários nativos ficaram feridos, quatro deles com graves queimaduras no corpo, internados na Santa casa de Campo Grande. Na região todo mundo sabe quem fez isso. Mas as provas que existiam sumiram. Sem provas, os criminosos continuarão à solta. Para apurar o crime, a capacidade e o compromisso do Estado estão sendo desafiados mais uma vez.
E pensar que nós, brancos, somos os verdadeiros invasores das terras que eram deles e das quais foram deserdados…
E tem gente que ainda os considera preguiçosos, folgados, pidões…
Enquanto existem, são. Enquanto são, têm. E enquanto são e têm, não podem abrir mão. Afinal, restam poucos, muito poucos, alguns milhares que já foram mais de cinco milhões, documentados pelo vínculo-raiz atemporal no cartório primitivo do direito que a Natureza instituiu em foro perpétuo.
Índio é, tem, pode, deve e vai. Para onde?
Na agonia entremeada de luzes civilizadas e penumbras de descompasso existencial, se reduz à matéria, vira gente porque só assim o stablishment pode aproveitar-se do índio que vira consumidor, empregado, prostituta, peão, bóia-fria, pedinte. Índio vai indo assim, trôpego, na direção do precipício para virar lenda num amanhã que não tarda. Tem índio estudando, até na faculdade, até jogando bola, até em concurso de beleza. No singular, muito singular. Há índios morrendo, alvos de balas certeiras ou de desnutrição; à beira das sepulturas, fulanizados nas sarjetas e filas do posto de saúde, despatriados, despossuídos, desmotivados. No plural. Muito no plural.
Índio não embranquece, mas enlouquece. Querem que o índio se integre e isto é querer o índio entregue, sem vontade. Índio sem terra é estrela sem céu: não brilha no éter, nem desce ao rio para cravejar de luzes a rota do canoeiro.
Índio. Absolutamente em extinção. Por morte morrida, por morte matada, por morte de fome. Índio, para quem a terra é hoje o limite geográfico das próprias sepulturas, milhões de sepulturas, durante séculos cavadas pelas pás da ambição desmedida de colonizadores, empreendedores e civilizados, que hoje se encarregam de preencher as covas ainda vazias.
Terra. Nossa terra. Nossa? Que nossa? Qual terra? Ah, certamente, aquela em que se plantando, tudo dá. Tudo, vírgula. Errado, “seu” Caminha! Errado, “seu” Cabral! Nesta terra brasilis, em se plantando quase tudo dá. Porque nem daqui a outros 500 anos veremos (re)nascer os índios plantados nela.
(*Edson Moraes, corumbaense radicado em Campo Grande-MS é jornalista e militante petista)
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Postado por: Edson Moraes(*), 17 Agosto 2011 às 16:52 - em: Falando Nisso