Fernando Larangeira (*)
Somos Todos “Maju”?
Recentemente, houve uma polêmica que tomou conta tanto da internet, quanto do noticiário da Rede Globo de televisão: a repórter que apresenta a previsão do tempo, Maria Julia Coutinho, a “Maju”, foi alvo de várias manifestações racistas em redes social, o que rendeu além de um anseio de vingança contra os “bandidos que cometeram esse crime”, patrocinado pelo próprio Jornal Nacional, uma campanha nas redes sociais em apoio a apresentadora: #somostodosmaju.
Apesar da Rede Globo ter condenado o comportamento dos adolescentes que praticaram esses crimes, uma pergunta é necessário que seja feita: por que a própria “Maju”, é tratada com distinção pelos apresentadores da bancada do JN? Jamais vi repórter de TV possuir apelido. Sempre tenho dúvidas da onde vem tanto bom humor do Willian Bonner, ao contracenar com a "Maju". Por que a previsão do tempo feita pela maju é tão envolvente e divertida? Por que ela não merece as mesmas notas de gravidade e respeito empregadas aos demais jornalistas que já estiveram em sua situação? Não me recordo de outra apresentadora receber tantos sorrisos e olhares, quanto a Maju, o que acaba, talvez, reforçando, alguns preconceitos contra a população negra que vive no Brasil: eles não merecem ser levados à sério; diariamente, a população brasileira é alvejada pela ideia de que uma previsão do tempo feita por uma negra tem a pretensão de ser qualquer coisa, menos um previsão do tempo comum.
Segundo entrevista concedida pelo embaixador Alberto da Costa e Silva à Jornalista, Miriam Leitão, o desrespeito pelo negro, bem como sua exclusão social, advieram menos da escravidão e mais da política de imigração praticada pelo Brasil Império. Próximo à abolição da escravatura, a quantidade de negros libertos era maior do que a de negros escravos e grande parte daqueles passou a formar uma “classe média” dos centros urbanos, formadas por artesãos, intelectuais, o que se evidencia, por exemplo, pelos lideres que foram os pivôs do movimento abolucionista: Lima Barreto, Castro Alves, José do Patrocínio etc. – todos de origem mulata e negra.
O governo à época, no entanto, não tolerava que os mulatos e negros tomassem posse dos meios de produção, incentivando que o acesso à terra permanecesse nas mãos da aristocracia ou dos europeus importados ao Brasil com fito de “purificar a população”. Dessa maneira, as estruturas sociais do Brasil foram sendo divididas quanto à cor da pele: os brancos ficando no topo da hierarquia e os negros e mulatos, na classe média e à margem social.
Dessa forma, foi sendo firmado o racismo à brasileira, muito diferente do racismo à americana, apesar de uma inclinação a equipará-los à qualquer custo, talvez, fruto da colonização cultural aplicada pelos EUA ao Brasil que não vem se limitando a fala, a comida, a música, mas também às formas de enxergar o racismo. No Brasil, não há racismo no cotidiano, mas nas estruturas sociais: um grupo de industriais, por exemplo, é formado eminentemente por brancos, enquanto um grupo de trabalhadores braçais é formado por negros e índios; nos EUA, por outro lado, encontra-se o racismo no cotidiano, já que, por exemplo, há bairros para população negra e outros para a população branca.
Pretende-se a modificação dessa divisão social, arraigada por mais de séculos, por meio das famigeradas cotas para o ingresso nas universidades, o que não possui o condão de alterar coisa alguma, já que fazer uma universidade e não “ter contatos” é algo pouco eficiente. Um advogado recém- formado, no Estado de Mato Grosso do Sul, ganha, em média, salário equivalente ao de um operador de telemarketing (empregado sem curso superior), tendo em vista o piso salarial estabelecido pela OAB/MS, declarado ilegal pelo conselho federal: R$ 1.200,00 ou R$ 1.800,00, dependendo do carga horária de serviço.
O racismo à brasileira é uma realidade que precisa ser corrigida o quanto antes, o que deve ser feito de maneira transparente e lenta, para ser estrutural, sem o imediatismo de uma política que pode ser modificada, à qualquer momento, por meio de uma resolução de uma universidade pública ou, do dia para noite, por meio da mudança de alguns detalhes da programação televisiva. É algo profundo que implica na mudança da identidade coletiva de toda uma nação.
(*Fernando Larangeira é advogado em Campo Grande, especialista em Direito Público e conselheiro da Associação dos Novos Advogados - ANA-MS)
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Postado por: Fernando Larangeira (*), 21 Julho 2015 às 10:20 - em: Falando Nisso