Sob o império do medo Dante Filho (*)

Sob o império do medo

Tivéssemos capacidade de adivinhar o futuro próximo, o medo dos acontecimentos seria menor. Digo isso diante da impossibilidade de saber o que aconteceu no último domingo (16) nas ruas do Brasil. 
 
Embora seja tentado - pelas circunstâncias momentâneas - a acreditar que o número de manifestantes seja menos relevante do que seus sentimentos,  sou obrigado a reconhecer que o cerne da disputa política travada nas últimas semanas girou em torno desse enigma: as multidões serão expressivas de tal forma que poderão estabelecer um divisor de águas nos capítulos sucessivos de nossa história?
 
Difícil saber. Deixo para refletir sobre isso nas próximas semanas. O que dá para concluir, nesse momento, é a constatação óbvia de que cresce o abismo entre a política institucional e a sociedade. As massas indignadas e aborrecidas estão cada vez mais de um lado e a estrutura representativa do poder, de outro. Até que ponto essa dissociação se esgarçará de modo que se rompam as nervuras do real?
 
Na última sexta-feira, por circunstâncias particulares, fui obrigado a assistir pela primeira vez na vida a um capítulo da novela das oito (“Babilônia”). De repente, vejo inserções locais do PSB e do PSD. O deputado Barbosinha e a deputada Tereza Cristina faziam repetidas aparições pontificando sobre uma esfera da realidade inexistente. Seria cômico, não houvesse ali um componente de tragédia ilustrando a dimensão rotunda de nossa pobreza mental.
 
O vereador Coringa, do PSD, seguia a mesma linha, embora nos garantisse um sorriso simpático e falasse sobre sua alegria com o aniversário de Campo Grande. Mesmo assim, patético.
 
Na minha modesta avaliação, os três perderam valiosa oportunidade para mostrar suas respectivas compreensões sobre como estão vendo os desdobramentos da crise brasileira. Preferiram ser banais, tergiversar, como se diz. Preferiram o discurso inócuo achando que com isso enganam os bocós. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.
 
Eles podiam ter mostrado um pouco mais de generosidade com a sociedade. Podiam ter falado do atual momento em que estamos imersos, se posicionado com clareza de que lado estão. Mas preferiram a neutralidade, insistindo, por omissão, que não se integram e que não tem compromissos com as verdadeiras transformações que devem ser sinalizadas pela lideranças políticas para dar esperança (pelo menos isso!) às pessoas. 
 
Mesmo assim, não posso culpá-los individualmente pelas bobagens que fizeram, até porque compreendo essa fenomenologia: parcela da classe política está perdida entre o adesismo fisiológico ao Governo Dilma ou à manifestação clara e direta do que pretendem fazer diante do quadro caótico que estamos vivendo. Acordão ou rompimento? Situação ou oposição? Adesão ou rebelião?
 
As opções políticas são complexas neste momento. Sair de cima do muro é uma decisão difícil, sobretudo para quem tem interesses poucos republicanos a defender.  Noutro ponto, vejo medo. Tomar posições coerentes, explicitar idéias, defender impeachment ou a renúncia da presidente, ou ( que seja o caso) defender o governo, ameaçar a pegar em armas etc., tudo isso requer coragem. É mais difícil ser Eduardo Cunha do que Renan Calheiros. É mais complicado ser oposição. É mais difícil ainda elucubrar sobre o pós-Dilma. 
 
Diante disso, cada político faz seus cálculos particulares, desenhando cenários futuros e adequando estratégias para as próximas eleições. Como é temeroso assumir qualquer compromisso com a sociedade (o futuro é incerto, repito) o adequado é “manter” uma aparente neutralidade pública, e só falando no plano privado, como vivandeiras a farfalhar maledicências em rodinhas de tereré.
 
O problema real, contudo, é o medo. Os políticos estão morrendo de medo. Medo de dar passos errados, medo de falar o que se deve num momento delicado, medo de se colocar com clareza diante de um ambiente nebuloso. Mais ainda: medo do eleitor, medo da polícia, medo de ser chamado de corrupto, medo de não estar fazendo a leitura correta do momento histórico. Babilônia.
 
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
 


Deixe seu comentário


Postado por: Dante Filho (*), 17 Agosto 2015 às 12:45 - em: Falando Nisso


MAIS LIDAS