Wander Medeiros (*)
Sabedoria Trump
De partida, uma reflexão de Maquiavel sobre o fato de que “os homens são movidos pelo amor ou pelo medo”, e na dúvida acerca da primazia de um sobre o outro, orienta o pensador: “é muito mais seguro ser temido do que amado”. Se pensarmos que o ‘medo’ seria a angústia de que o ‘mal’ prevaleça, podemos dizer que ele é também um poderoso instrumento para condução das ‘decisões’ humanas, justamente aquilo que, para Cora Coralina, é o que de mais importante temos nessa vida.
Freud é referência neste campo de análise acerca dos efeitos do ‘medo’ em nossas ‘decisões’ do dia a dia. O marketing moderno, desvirtuando os legítimos propósitos daquele, apropriou-se de muitas de suas lições para nos impor ‘escolhas’ que muitas vezes não faríamos senão por esta condição de assédio subliminar, que mexe com nossa racionalidade, altera nossos sentidos e nos faz tomar decisões não pela razão, mas por esta angustiante sensação de ‘medo’.
Mark Manson, parafraseando o ‘pai da psicanálise’, sintetiza a questão: “através de Freud, Bernays entendeu algo que mais ninguém tinha entendido antes dele: se você puder tocar nas inseguranças de uma pessoa, se você conseguir atingir seus mais profundos sentimentos de inadequação, então elas comprarão qualquer coisa que você possa oferecer”.
Edward Bernays, o sobrinho marqueteiro de Freud sabia disso, e Donald Trump também sabe.
No último dia 21 (julho/2016), Donald Trump proferiu seu discurso de aceitação da indicação de sua candidatura à presidência dos Estados Unidos pelo partido Republicano. Não falou de improviso, como está acostumado, mas preferiu o auxílio do teleprompter para fazer a leitura de um texto previamente confeccionado. Seguramente a intenção foi de capitalizar cada segundo da grande audiência durante o ato e, de fato, chamou a atenção do mundo inteiro, deixou a todos estupefatos.
Quando revemos algumas das partes mais emblemáticas de seus dizeres fica clara a capacidade de Trump em infligir o ‘medo’ como um expediente de manipulação para amealhar mais votos para si, observe: “vamos construir um grande muro fronteiriço para travar a imigração ilegal, as gangues e a violência e para travar a entrada de drogas nas nossas comunidades”.
Em tempos de proliferação instantânea da informação que está a um clique de distância, não há quem não tenha o receio por si ou seus familiares de sofrerem algum tipo de violação ou barbárie pessoal ou de seu patrimônio. Já o vício das drogas é um temor constante para pais com filhos na idade adolescente, quer dizer, não há dúvidas de que essas questões expressam ‘medos’ profundos de cada um de nós, e daí Trump os expõe de forma visceral, mas é claro, não sem antes apresentar um modelo de ‘cura’ que possa ser ‘comprado’ por seu eleitorado. Que tal construirmos um muro e deixar todos esses problemas do lado de fora? Uma tentação, não é mesmo?
A perspectiva é ‘simplista’ – um ‘muro’ como solução para um problema crônico, ‘preconceituosa’ em sua generalização – imigrantes ilegais são violentos e traficantes, assim como não é menos ‘rasteira’ que a adjetivação pejorativa que faz de sua adversária: “Este é o legado de Hillary Clinton: morte, destruição, terrorismo e fraqueza”.
Quer dizer, mais uma vez o ‘medo’ naturalmente adjacente às condições de “morte, destruição, terrorismo e fraqueza” sendo usado como um expediente conformador da ‘escolha’ dos eleitores americanos, ou você tem alguma dúvida sobre qual candidato ‘comprar’, quando um deles detém todas essas características nefastas e o outro ‘vende’ a deliciosa fórmula mágica de que “quando eu assumir o cargo, no ano que vem, eu vou restaurar a lei e a ordem no nosso país”.
Após estilhaçar um futuro ‘sombrio’ para todos, definitivamente Trump é o candidato que oferece a solução imediata pra você se sentir ‘seguro’, aliás, agora você possui data e hora para começar a ‘vida boa’, afinal, “em 20 de janeiro de 2017 a segurança será restaurada”. Esta é, sem dúvida alguma, a fórmula da grande ‘Sabedoria Trump’ deste processo eleitoral americano que, se de um lado ilude parte expressiva da população daquele país, de outro coloca todo o mundo em expectativa, na angústia de que o mal prevaleça, e todos nós paguemos a conta por ter à frente da maior potência econômica e militar do planeta um celerado como este.
Em terras tupinambás alguém poderá dizer em tom jocoso: ‘nunca antes na história do mundo vivemos um risco tão grande assim’, mas também poderá afirmar que este mal não nos alcança, afinal, ‘o problema é dos gringos’.
Ledo engano, dileto leitor que me acompanha até aqui, se tal fato ainda não nos atinge de forma direta, deve servir ao menos como um grande exercício de análise e estudo de caso. A pintura viva de um exemplo nocivo para não ser seguido jamais, que uma vez compreendido por todos, sirva de alerta para não cairmos em armadilhas iguais hoje ou no futuro, até porque desconfio, dado os tempos tumultuosos que temos vividos, não tarda em termos também por aqui um defensor ‘da lei e da ordem’ vociferando ‘medo’ e ‘terror’ e se apresentando como a única solução para, ‘sozinho’, colocar fim em ‘todos’ os nossos problemas.
E porque acredito, tenho verdadeira fé nisso, que se a estratégia de impor o ‘medo’ para ‘vender’ a solução ‘mágica’ é uma ‘doença’, ter a consciência crítica necessária para não ser intimidado, é a ‘cura’.
(*Wander Medeiros A. da Costa é advogado em Dourados, professor da UEMS e procurador de Entidades Públicas do MS)
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Postado por: Wander Medeiros (*), 05 Agosto 2016 às 14:20 - em: Falando Nisso