Liziane Berrocal (*)
Redação do Enem: MEC, nem quero nota, só dizer obrigada!
Todos os dias há milhares de relatos de mulheres gordas, magras, ricas, pobres, negras, com ensino superior, com nível mínimo de alfabetização, empregada doméstica, empresária, autônoma, loira linda do corpo sarado, bonita pra caramba, quem não se acha bonita e sempre com um relato de violência contra a mulher. Por trabalhar com a imprensa, e ser militante dos direitos humanos, recebo muitos desses relatos.
Eu sou jornalista, eu sou feliz demais em ser jornalista e ver que todos os dias tem pessoas que confiam em mim em contarem suas histórias, seus dramas de violência. Eu tenho um caso de uma menina, que aos 13 anos foi chamada para ser empregada doméstica na casa de uma família rica. Família ficou com ela em casa até os 33 anos. Ela foi demitida sem NENHUM direito. NENHUM direito. Nesse tempo, ela casou com um homem mais velho, que foi o seu primeiro homem, que além de machista é homofóbico e agressivo. Teve uma filha com ele. Cansada da vida que levava, ela resolveu mudar. Ela conheceu uma pessoa. O que o cara fez? Tirou TUDO dela.
Ela saiu de casa só com a roupa do corpo, sem lugar para dormir, agredida, ferida e cheia de feridas não só no corpo, mas na alma. A filha não pode vê-la, porque o ex-marido já avisou que vai acusar o companheiro dela de estupro caso ela insista. E a filha criada por um machista, está sendo o quê? Machista! Hoje, aos 36 anos, ela está refazendo a vida e quando vejo o atual companheiro indo buscar, cuidar dela com carinho e até me ligar para avisar que ela está doente, eu sinto que sim, é possível que tudo mude!
E num contraponto, uma mulher linda, família rica, marido rico, conhecidíssimo na cidade. Ela apanhava do marido. Sabe por quê? Ela cometia o pecado de estudar. Os amigos, a família? Todos omissos. Todos machistas omissos. Ela teve que mudar de estado, porque o machista inconformado não aceita que ela seja ela mesmo. E mesmo quase dez anos após a separação, ele continua a perseguindo.
Mulheres que são todos os dias, julgadas por não serem mais magras, ou mais louras, ou com o cabelo mais liso, ou por usarem maquiagem ou apenas por serem mulheres. Eu no curso de Direito ter que aguentar professor machistas falando que lei do feminicídio é feminismo!
E isso, é normal? É pior do que ter se alistar no exército.
Histórias de violência, de subjugação, de machismo latente, de sogras infernais que criam machistas, de gente que quer tratar a mulher – mesmo sendo mulher também, como subproduto social.
Fui criada por uma mãe, família matriarcal mesmo. Criada para ser mulher forte, decidida. Porque minha mãe apanhava do meu pai. Apanhava na minha frente, de todos os filhos. Quebravam a casa inteira e isso causou em mim uma necessidade sim de militar contra isso. Perdoei meu pai? Sim, acredito que sim, afinal, a vida ensina e hoje dos 10 filhos que ele teve com as várias mulheres por ser um machista, quem cuida dele são as únicas duas que ficaram perto. Eu e minha irmã hoje temos que engolir tudo aquilo que vimos e vivemos nossa infância e adolescência inteira, e usar o exercício do perdão.
Minha sobrinha é criada para ser ELA. Não precisa ser feminista, mas machistas não passarão! E meu sobrinho, criado para ser HOMEM, não macho apenas! E apesar das brincadeiras bobas do dia a dia, graças a Deus hoje, temos um lar que vive o respeito à igualdade de gênero, mesmo com algumas barreiras, que vamos vencendo no dia a dia.
Eu claro, aprendi que com brio de homem não se mexe, que respeito é sempre bom, que as coisas na vida não podem ser oito ou 80 e que temos que respeitar os limites sim. Mas é bateu levou. E se minha mãe era da época que o bateu levou era na porrada, eu vou além, o bateu levou tem que ser na Justiça. E machistas e misóginos merecem punição e exemplar!
Sei que a redação não deve ser assim em primeira pessoa, mas fica impossível não escrever sobre aquilo que vivemos diariamente. E de tudo que eu agradeço na vida, não ter um marido machista é um dos agradecimentos principais! Mas o principal deles é minha mãe, que se foi há um ano, ter me ensinado que ser mulher era ser mulher e que isso não me faz melhor, mas muito menos, me faz pior que ninguém.
PS: eu teria muitos mais relatos para escrever, mas daí eu iria zerar por ultrapassar o que é pedido. Beijos, obrigada pelo tema! Chorei aqui!
(*Liziane Berrocal é jornalista e acadêmica de Direito em Campo Grande MS)
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Postado por: Liziane Berrocal (*), 25 Outubro 2015 às 18:30 - em: Falando Nisso