Quanto pior, melhor Dante Filho (*)

Quanto pior, melhor

O município é uma esfera de poder vinculado diretamente ao cidadão. Os governos estadual e federal são quase abstrações quando analisamos as funções dos entes federativos e os colocamos vis à vis com a materialidade da vida – cada vez mais urbanizada e estruturada em torno das cidades. 
 
Por isso, sem entrar em detalhes sobre como nossa República Federativa é um objeto disforme, propenso a distorções quando se trata de gestão de recursos, com desproporcional concentração de poder na União e, residualmente, nos estados membros (o que deixa municípios fragilizados), o fato inarredável é que as pessoas vivem em lugares concretos, feito de casas e ruas, nos quais acontece o extraordinário fenômeno das relações sociais e econômicas. 
 
O funcionamento estrutural de um município tem correlação direta com certo equilíbrio institucional. Executivo, Legislativo e órgão judiciários e de controle de contas administram, legislam e arbitram serviços, impostos, investimentos etc, para atender demandas, buscando otimizar recursos para melhorar a qualidade de vida e criar oportunidades para potencializar o funcionamento dessa maquinaria complexa que se chama cidade. 
 
Tudo isso é óbvio. Ninguém nega que um dos princípios da gestão pública é o de dar o máximo de benefício ao dinheiro, garantindo vida boa à maioria dos habitantes. Só que a teoria não funciona na prática. Políticas públicas são lindas no papel e um desastre no cotidiano. E tudo piora quando a tripartição dos Poderes entra em processo de esquizofrenia, com as instituições agindo com propósitos diversos, substituindo-se interesses da cidadania pela vontade mesquinha de sua classe dirigente. 
 
O caso de Campo Grande, por exemplo, merece um estudo de caso. Torço para que alguém da academia acompanhe nossa história recente para dar provas de como se jogou grandes oportunidades pela janela. Mais grave: é preciso eviscerar a anatomia de nossa administração para saber como as distorções criadas na gestão de Nelson Trad Filho agravou-se com Bernal e afundou com Olarte, para, novamente, se esboroar com o Dr. Alcides, criando densa névoa que impossibilita crer numa recuperação gradativa do município em médio prazo. 
 
O que vem ocorrendo na Capital nos últimos anos acelerará nossa degradação urbana, promovendo piora dos serviços e retração de investimentos, sem contar o aumento da pobreza da periferia além de todas as conseqüências na saúde, educação e urbanidade. 
 
Neste aspecto, para agravar ainda mais a situação, o Executivo e Legislativo vivem disfuncionalidade estruturante. (Um parêntese: quando o judiciário abriu espaço para o retorno de Bernal - algo que ainda é provisório, visto que o caso não está juridicamente encerrado - não o fez pensando no retorno dos fatores de equilíbrio que ajudariam o município a seguir a sua vida dentro de relativa normalidade. O fez, sim, com o propósito de redução de danos, porque a política local transformou-se em caso de polícia).
 
O ideal mesmo seria que o retorno do prefeito à sua cadeira pacificasse a cidade. Como se sabe, as dificuldades de Bernal para encontrar seu eixo são intransponíveis. Qualquer gestor relativamente cônscio de seus deveres já teria uma equipe de trabalho montada nos dias seguintes à decisão judicial, visto que a emergência exige decisões rápidas e medidas corajosas.
 
Mas não é isso que se vê. Bernal empaca, arma estratégia esquisita no campo político, enrola-se com questões pessoais, não formula uma agenda mínima de trabalho, e, assim, a cidade afunda. Mais grave: estimula apetites pantagruélicos na Câmara de Vereadores, que vive um quadro complicadíssimo com o afastamento do presidente Mário Cesar.
 
Nesse sentido, causa espécie ler entrevistas solenes de alguns vereadores afirmando que está se aguardando decisão em torno do comando da Casa – numa aparente deferência a Mário Cesar -, quando até as capivaras do Parque das Nações sabem que a conspiração corre solta, com articulações de quinta categoria que, no futuro, gerará novos escândalos, fazendo com que o atual hiato de representatividade tenha seu fosso aprofundado.
 
Se o Executivo está enrolado, a Câmara poderia pelo menos confluir em torno de si um momento de grandeza, mostrando que pode fazer a diferença pelo simples gesto de se negar a ser mais um ingrediente da crise. Mas não é isso que se vê. Arrivistas de toda a ordem se arreganham sem nenhum pudor, articulando-se para apropriar-se do Executivo, ora brigando por secretarias e órgãos menores, ora imaginando uma futura dança das cadeiras. 
 
Enquanto isso, Campo Grande fica refém de pessoas que aparentam não ter nenhum compromisso com a vida real da cidade. Pior: ninguém dá um sinal de como podemos mudar esse quadro. O lema é: quanto pior, melhor.
 
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
 


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Postado por: Dante Filho (*), 28 Setembro 2015 às 15:30 - em: Falando Nisso


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