Quando a casa cai Dante Filho (*)

Quando a casa cai

O noticiário sobre o volume da corrupção no Brasil chega num ponto em que provoca intoxicação informativa. A operação Lava Jato revelou o maior caso de propinagem da história mundial até o momento. Aquele cidadão que fica indignado com a arte do furto de recursos públicos deve finalmente compreender que, além das questões morais que o assunto envolve, há outros fatores a influenciar essa prática que nasceu e vai morrer com a humanidade. 
 
A corrupção, primeiro, é uma oportunidade; depois, torna-se vício. Por fim, incorpora-se no mundo dos negócios públicos e privados e se naturaliza como se fosse um elemento obrigatório da engrenagem que faz a vida seguir em frente. Uma das delações premiadas divulgadas recentemente diz que a corrupção era uma espécie de graxa que fazia movimentar as máquinas emperradas da burocracia.
 
A Universidade de Brasília, em 2002, publicou um livro com dez ensaios de especialistas das mais diversas áreas cujo título é “A corrupção e a economia Global”. Trata-se, certamente, de obra indispensável para qualquer cidadão compreender essa fenomenologia.
 
O interessante neste trabalho é que o assunto é tratado com a frieza dos números, sem qualquer discurso demagógico de indignação com o fato de roubarem às escâncaras no mundo inteiro. A corrupção estabelece padrões de concentração de riqueza e aniquila qualquer processo de ascensão social pela meritocracia e esforço pessoal, sintetiza o livro. O principal valor é o amor ao dinheiro e o desprezo pragmático pelos outros. 
 
Digo isso porque é importante saber qual o impacto estimado do roubo do dinheiro público e privado no cotidiano das pessoas. Claro que em tudo há uma correlação: à medida que custos de obras e serviços são inflados para que uma parte seja desviada para sustentar o fausto de meia dúzia de personagens bem posicionados na estrutura de poder, certamente ao longo do tempo enfraquece-se a legitimidade política, recrudescendo indicadores sociais que se revela no mundo real por meio do aumento da miséria e da desigualdade. Noutras palavras, retrocesso, atraso e subdesenvolvimento cultural. 
 
Há corrupção em países ricos e pobres. Na Dinamarca e na Suécia, rouba-se, mas é uma atividade de alto risco, pois há controles institucionais extremamente complexos, fundados numa longa tradição da formação do Estado. Em Uganda e no Burundi, também se rouba, mas o sistema é frouxo; portanto, a corrupção incrustou-se na estrutura do Estado. 
 
No Brasil, vive-se um estágio intermediário. O País é grande, as realidades são diversas. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, rouba-se com certa flexibilidade, pois as relações familiares e interpessoais entre a burocracia estatal e o empresariado local são fortes o suficiente para que haja relações de confidencialidade entre os negócios ilícitos, além de um amplo esquema de proteção mútua que só se torna evidente por meio dos sinais exteriores de riqueza. 
 
Campo Grande é uma cidade praticamente interiorana: aqui a vida pode ser escrutinada com certa facilidade. Se o sujeito sempre foi funcionário público, tem origem humilde, e de repente aparece morando numa mansão em condomínio fechado, certamente levanta suspeitas. O mesmo acontece com aqueles caras que, repentinamente, aparecem com carrões de US$ 100 mil, festejando em colunas sociais bregas a pose de novo-rico. 
 
A primeira denúncia de corrupção aparece com a demonstração enigmática de riqueza. Numa grande cidade tal aparição é dissipada e leva tempo para ser identificada. Mas em Mato Grosso do Sul qualquer relacionamento insidioso com figuras conhecidas é imediatamente associado a esquemas nebulosos. A polícia, o ministério público e o judiciário, só não agem com maior rigor talvez por causa do extenso entrelaçamento de conhecimento e interesse que está na base da formação do nosso Estado. 
 
Por isso, quando acontece um escândalo, envolvendo personagens conhecidos de nossa política e do nosso mundinho empresarial, apesar dos murmúrios nervosos aqui e ali, forma-se uma rede de proteção em que muitos afirmam em uníssono: “não há provas”. Mas e aquela mansão, os carrões, as fazendas, a viagens nababescas para a Europa? Resposta: silêncio com o correspondente dar de ombros. 
 
É preciso estudar a psicologia dos corruptos. Para a maioria, quem não teve suas oportunidades e não conseguiu ganhar dinheiro como eles, são invejosos que não suportam assistir ao sucesso alheio. Estas figuras transitam socialmente sem que haja reparos públicos. Houvesse constrangimento social, prisões e seqüestro de bens à medida que se investigasse pra valer os sinais exteriores de riqueza, certamente alguma mudança haveria. Caso contrário, mesmo que às vezes a casa caia tudo parece ser encoberto por um manto de hipocrisia garantido pela permanente impunidade. Até quando?
 
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
 


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Postado por: Dante Filho (*), 13 Julho 2015 às 14:30 - em: Falando Nisso


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