Em entrevista ao Valor sobre os dez anos da Lava Jato, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, declarou que a operação manchou a imagem do Judiciário brasileiro, contribuiu para a ascensão do bolsonarismo e colocou em xeque a legalidade dos acordos de leniência e de delação premiada. “Funcionavam como um jogo de chantagem”, declarou. Para Gilmar, que chegou a endossar posicionamentos da Procuradoria-Geral da República (PGR) no início da operação, como a prisão do então senador Delcídio Amaral, ficou uma lição: “Espero que a gente deixe de acreditar em salvadores”. 

 

Gilmar Mendes atribui muitos dos erros advindos da operação ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, a quem acusa de tentar emplacar “narrativas fantasiosas”. Procurado pelo Valor, Janot preferiu não comentar. Em um dos trechos da entrevista, Gilmar fala sobre o caso de Delcídio, dizendo que a prisão do então senador foi "uma gafe estupenda", autorizada pelo STF. Leia abaixo:

 

"Valor: Com a morte do ministro Teori, em 2017, os casos da Lava-Jato passaram a ter a relatoria do ministro Edson Fachin. O senhor percebeu alguma mudança?

 

Gilmar: Mais ou menos. Teori foi muito pressionado, como também pode ter sido o Fachin, pela ação da Procuradoria-Geral da República, que estava muito desenvolta. Um dos episódios mais marcantes é o que resultou na prisão do ex-senador Delcídio Amaral. A narrativa que a PGR levou ao Teori, e que ele nos passou, era a de que Delcídio estava trabalhando para dar garantias de fuga a Nestor Cerveró [ex-diretor da Petrobras], mediante uma mesada à família, envolvendo o banqueiro André Esteves. Nós nos reunimos em uma sala fechada, pedimos para os garçons saírem, e discutimos: mas pode prender parlamentar? Nossa conclusão foi a de que ele estava em flagrante delito porque ele estaria constantemente operando o esquema. A decisão foi unânime na Turma. Mas, no fim, isso se mostrou uma gafe estupenda na investigação.

 

Valor:Por quê?

 

Gilmar: Porque o dinheiro, depois se descobriu, tinha sido um empréstimo feito pelo pecuarista José Carlos Bumlai ao Delcídio. Portanto, a história inicial era fantasiosa, inventada, talvez engendrada pela PGR. Por causa disso, Esteves ficou preso por dois meses em Bangu. Na época, a defesa já dizia com ênfase que era um caso clássico de erro judiciário. Teori ficou tão constrangido que depois ele próprio revogou a prisão [do banqueiro]."

 

O DESABAFO DE DELCÍDIO 

 

Delcídio do Amaral (PRD), que agora é pré-candidato à Prefeitura de Corumbá, postou o trecho acima da entrevista no Instagram e Facebook e fez um desabafo nas redes sociais escrevendo: "Gafe estupenda", ministro? Fui preso, torturado psicologicamente com chantagens pra dizer o que eles queriam senão eu iria 'mofar na Papuda', fui cassado por um bando de covardes, minha vida e da minha família foram devassadas em todos os sentidos e o senhor diz que isso foi apenas uma gafe? Sabe o que foi, ministro? Foi uma das maiores aberrações jurídicas e uma enorme injustiça perpetrada pelos senhores, tanto que fui julgado por anos e absolvido pelo bom direito em todas as instâncias, inclusive por unanimidade."