Heitor Freire (*)
Porque todo mundo faz...
É impressionante como, cada vez mais, as pessoas imitam o comportamento dos outros sem parar para pensar, discernir, avaliar e então decidir a própria ação. O “porque todo mundo faz”, explica, justifica e ampara os atos de cada um. E, assim, as pessoas agem como rebanho conduzido pela maioria, sem refletir um pouco mais.
Segundo Krishnamurti, em seu livro “Aos pés do Mestre” (Ed. Pensamento), são quatro as etapas para a evolução humana: discernimento, desapego, boa conduta e amor.
A primeira, discernimento, é exatamente a faculdade humana que permite discernir, decidir o que fazer ou não fazer e que se constitui na essência da individualidade, aquela que caracteriza a ação consciente do ser humano e que lhe dá a condição de agir por si mesmo. E é exatamente o que a maioria das pessoas não pratica. Prefere seguir o rebanho para não se comprometer: “Eu fiz porque todo mundo faz”. Essa é a desculpa mais esfarrapada para se eximir da responsabilidade por seus atos.
Outro dia, assisti a uma sessão solene da Assembleia Legislativa aqui em Campo Grande em que, por exigência do protocolo, se executa o hino nacional. Com todos em pé, a mesa diretora, aos primeiros acordes, se vira de frente para a bandeira nacional, incorrendo num equívoco crasso. Naquele momento, a reverência deveria ser feita, protocolarmente, ao próprio hino, e não à bandeira. Todos os cerimonialistas sabem disso. De cor e salteado. No entanto, o que se observa sempre é o descumprimento dessa reverência porque alguém, num momento qualquer, assim procedeu e, desde então, todos agem da mesma forma, no piloto automático.
Como sou observador, perguntei depois à chefe do cerimonial, Severina da Silva, por que não se cumpriu o protocolo. E ela me disse: “Heitor, eu estou cansada de orientar os deputados, mas eles não querem aprender. Já fiz palestras e seminários, insistindo na prática correta, mas eles não entendem. Uma vez, coloquei na frente de cada um, na mesa diretora, um cartaz dizendo com letras garrafais: ‘Não se virem para a bandeira’, mas não tem jeito. Então desisti”.
Certa vez, eu estava numa solenidade na mesa diretora e quando se executou o hino nacional, perfilei-me e permaneci de frente, cantando o hino. Um membro da mesa, ao meu lado, me cutucou dizendo: “Vira para a bandeira”, e eu respondi “não”. E assim permaneci até o fim. Eu era o único certo, todos os demais se viraram. Enfim, são os ônus que pagamos por conhecer o procedimento adequado. E agir conscientemente.
E por que não se deve virar? Porque naquele momento a reverência que se presta é para o hino. São quatro os símbolos nacionais: o Hino, a Bandeira, o Selo Nacional e o Brasão da República. Aliás, agora são cinco, porque temos também a ave símbolo do Brasil, o sabiá.
Mas não há prevalência de um sobre o outro. Cada um, na sua hora, tem a reverência que merece. Assim, quando se toca o hino, é a este que se deve reverenciar.
Quando, nesse momento, se vira para a bandeira, há uma desconsideração com o hino. Simples assim.
Os símbolos nacionais são regidos pela Lei nº 5.700 de 1º de setembro de 1971, alterada depois pela Lei nº 8.421, de 11 de maio de 1992 que dispõe sobre a forma e apresentação dos Símbolos Nacionais. Assim, quando não se cumpre o protocolo, deixa-se de cumprir um dispositivo legal. Mas, de modo geral, as pessoas e as “autoridades” estão se lixando para isso. E esse relaxamento no comportamento tem um efeito nocivo porque acaba influenciando outros atos que são praticados porque todo mundo faz.
Mas aqui em nosso estado todas as “autoridades” incorrem nesse erro. Começando pelo governador e demais autoridades. E o cerimonial, como vimos, naturalmente, informa, mas não tem como obrigar as pessoas ao cumprimento do protocolo. Tudo isso que estou afirmando consta também no protocolo da Presidência da República.
Mas, porque todo mundo faz, fica por isso mesmo.
Para mudar o estado caótico em que se encontra a humanidade é preciso que cada um faça a sua parte. Conscientemente. Sem medo da opinião alheia. Devemos agir com discernimento. E sempre, sempre, cumprir a lei.
É o que se impõe.
(*Heitor Rodrigues Freire – corretor de imóveis e advogado)
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Postado por: Heitor Freire (*), 28 Outubro 2023 às 08:00 - em: Falando Nisso