Para onde vão esquerda e direita? Gaudêncio Torquato (*)

Para onde vão esquerda e direita?

A pergunta é instigante, eis que os principais protagonistas do pleito de 2 de outubro próximo se posicionam nas extremidades do arco ideológico. É verdade que Lula tem caminhado em direção ao centro, artimanha para pincelar seu manto vermelho com as cores da bandeira nacional e se tornar palatável às classes médias. Também é verdade que Bolsonaro tem se esforçado para inserir o verde-amarelo na seara da direita e, mais que isso, transformar tais cores no brasão nacionalista, como se fossem exclusivas de seu habitat.
 
O jogo de mistificação está bombando. Geraldo Alckmin é a isca do anzol para pescar peixões dos altos mares, melhor dizendo, dos altos negócios. Setores ainda olham de soslaio para Lula, em quem distinguem um olhar enviesado, piscando para a Venezuela, Cuba e Nicarágua. Bolsonaro cerca-se de generais que deixaram a caserna, mas conservam influência sobre o aparato militar. Seria uma forma de expressar mensagem preocupante: se a coisa pegar fogo, eu convoco meus bombeiros e…água na fogueira. Pafh…buft.
 
Tais sinais serão para valer? Lula é verdadeiramente esquerdista? Bolsonaro é realmente direitista? Essas direções ainda valem para caracterizar perfis na política, principalmente numa época em que o pragmatismo troca lados, transformando esquerda e direita em dois assentos de uma gangorra?
 
Ora, a esquerda não incorpora mais o escopo do socialismo marxista, inspirado na análise do velho Karl Marx sobre a formação do capitalismo, com previsão de sua catastrófica evolução. A “violência como parteira da História”, dogma apregoado por Friedrich Engels (1820-1895) e que se firmou na segunda metade do século 19, tentou fazer escola entre nós, nos idos de 1960, mas foi repelida pelos militares em 1964.
 
A redemocratização do País abriu espaço no canto esquerdo do arco ideológico. Formou-se argamassa para acomodar as estacas do alquebrado socialismo revolucionário e assentar os tijolos do liberalismo político e econômico. Chegou-se a um novo horizonte: nem Estado mínimo nem máximo, mas um ente de tamanho adequado. Agregaram-se designações como “capitalismo de face humana” e “socialismo de feição liberal”, tentativa de convergir eficiência econômica e bem-estar social.
 
A marca ganhou nome: socialdemocracia. A formosa dama chegou ao Brasil em fins dos anos 1980, vestida do azul e amarelo de tucanos criados pelo PSDB. Seus ideólogos produziram o texto: Os desafios do Brasil, as crises da contemporaneidade, a textura da democracia social na Europa, as estratégias de crescimento. 
 
Nosso arremedo socialdemocrata entrou no novo milênio, ganhou o centro do poder e foi acusado de se curvar ao Consenso de Washington. De onde partia a crítica? Do PT e satélites. Deu certo. De tanto bater, as “esquerdas” alcançaram a alforria. Adentraram o Palácio do Planalto. As linhas gerais da tal política neoliberal foram preservadas. O lulismo virou socialdemocrata.
 
Aí veio o “mensalão”. Soçobraram as últimas pilastras marxistas. Sujaram-se as bandeiras dos partidos. Da lama saíram sanguessugas, que reapareceram no pântano da Operação Lava Jato. A esquerda foi escanteada. Envergonhou-se. Sobraram tênues traços de uma ou outra sigla nanica de entonação trotskista.
 
Hoje, quase todos os entes partidários apregoam posições socialdemocratas, como liberdade política, controle social do mercado, inclusive com intervenção, se for o caso, e organização da sociedade civil. Ora, nada disso resistiu às injunções do patrimonialismo, praga que consome a lavoura partidária. Os contrários ao lulopetismo acabaram elegendo o capitão Bolsonaro, que entrou pela porta direita no Palácio do Planalto. Um xerife para pôr ordem na bagunça.
 
E o que vimos nos últimos anos? A divisão da sociedade, a polarização entre “nós e eles”, o tiroteio entre alas, a disseminação do ódio, a venda de armas para a população, a religião entrando na política, uns e outros fazendo-se de “salvadores da Pátria”.
 
Direita e esquerda foram engolidas por um centrão de conveniências. Desde as eleições de 2014, abriu-se no Brasil um processo de tensão e choques uns contra outros. Em suma, para onde vamos? Qual o destino do país?
 
O Brasil, sob a égide do ethos nacional, repele radicalismos. O perfil do País – extensão territorial, sistemas econômico e tecnológico, infraestrutura, integração geoeconômica, cultura e organização social – se encaixa em uma moldura moderna de caráter progressista, com atendimento às demandas de sua comunidade. Que emergem de todos os pontos da pirâmide social. Não temamos pautas polêmicas. Que estarão na ordem do dia. Fazem parte de nossa democracia.
 
(*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político)


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Postado por: Gaudêncio Torquato (*), 05 Setembro 2022 às 13:30 - em: Falando Nisso


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