Rizzatto Nunes (*)
Os consumidores sequestrados (**)
Conto três histórias envolvendo consumidores brasileiros.
Primeira
Antonio da Silva e sua mulher estavam para realizar seu sonho da casa própria. Juntaram dinheiro anos à fio na poupança e enfim chegou o dia: procuraram e encontraram um apartamento do jeito que sempre imaginaram. Eles possuíam dinheiro para quitar a parte que o vendedor pedia e tinham renda para financiar o restante. Eles iriam comprar um apartamento de um mutuário, que ainda devia oito anos de prestações.
Tudo bem. Felizes, conversaram com o vendedor, acertaram o preço, assinaram o compromisso de compra e venda e foram ao agente financeiro para transferir a dívida para seus nomes. Lá chegando, a decepção. O banco exigia, para assinar o contrato e concordar com a transferência, que fosse refeito o financiamento e, também, que novas contas fossem utilizadas: aquela prestação que eles tinham pensando em pagar, iria, dobrar de preço.
- "O dobro ?", perguntou Antonio ao gerente.
- "É. O dobro, mas daí já fica tudo no nome de vocês", respondeu o gerente.
- "Mas, responde pra mim: o que é que muda? Se nós não tivéssemos comprado o apartamento, o banco iria continuar recebendo as prestações originais naquele valor anterior por mais oito anos".
- "É, eu sei sr. Antonio. Mas, são os procedimentos.", disse o gerente e depois, baixando a voz e se aproximando do sr. Antonio falou baixinho em seu ouvido :
- "Sabe, eu também não concordo. Acho um absurdo. Mas, é coisa da direção. Eles aproveitam essas transações para ganharem mais dinheiro".
- "E agora? Nós não podemos pagar uma prestação assim tão cara. E por mais oito anos".
- "Então, sr. Antonio, eu não vou poder fazer nada. Seu contrato, como se diz, vai pra gaveta. É contrato de gaveta".
Segunda
Carlos da Silva recebe um telefonema. É uma cobrança de uma conta de telefone. Ele retruca:
- "Outra vez? Eu já disse antes que eu não fiz ligação alguma para a França. Deve ser clonagem. Sei lá!".
- "Meu senhor, aqui consta que a ligação saiu de sua linha. Então o senhor tem que pagar. O prazo é até amanhã", respondeu tranquilamente o rapaz do outro lado da linha.
- "Mas, um mês atrás a moça que me ligou disse que ia apurar e eu fiquei tranqüilo. Já havia até esquecido. Pensei que tivessem resolvido".
- "É, mas não está. O setor daqui que investigou disse que foi o senhor que ligou".
- "Eu? Eu nem conheço ninguém na França".
- "Não faz mal, eu só estou ligando pra avisar do prazo, depois vão cortar sua linha".
- "Bom. Então eu vou mandar uma reclamação por escrito. Vou fazer uma notificação para garantir meus direitos" - disse Carlos, demonstrando segurança. "Por favor, me passa o endereço de vocês" .
- "Endereço? Ah! Isso nós não damos não. Reclamação só por telefone.", respondeu o cobrador.
- "E como é que eu vou garantir meus direitos?", devolveu, indignado, Carlos.
- "Sinto muito. Eu não sei. Endereço nós não estamos autorizados a dar".
- "Mas, eu não sei onde vocês estão. Parecem que estão escondidos. Onde fica o cativeiro de vocês?".
- "Não podemos falar não, senhor. E estamos aguardando o pagamento".
Terceira
José da Silva, usuário do plano de saúde X, que firmou para si e sua família, chega ao Hospital Y, para internar sua esposa que teve um ataque cardíaco. A situação é grave e ela necessita atendimento médico urgente.
Ele, tenso, vai ao balcão de atendimento da entrada de emergência do hospital e entrega a carteirinha do plano de saúde. A atendente, então, com muita calma, num contraste muito forte com a dor do sr. José, pede a guia de internação.
José está tão nervoso que sequer entende o pedido:
- "Guia? Que guia?".
- "Para sua esposa dar entrada no hospital o senhor tem que me apresentar a guia de internação expedida pelo seu plano", responde a mocinha do balcão, com uma frieza de mármore e, claro, lendo um roteiro escrito à sua frente.
Confuso, José gagueja e diz que não tem guia alguma. E, levantando a voz, assim, meio sem querer, aponta para sua mulher deitada na maca:
- "Ela teve um ataque... São duas horas da madrugada! Ela teve um ataque...precisa de ajuda..."
- "Eu sei meu senhor. Eu sei. Mas este é o procedimento.", devolveu a mármore que fala.
José já ia responder, quando a treinada funcionária hospitalar interviu:
- "Mas, não se preocupe. Nós temos a solução. O senhor assine, por favor, um cheque-caução e me entregue que está tudo resolvido".
- "O que é isso?", perguntou, atônito, José.
- "É o seguinte: o senhor deixa um cheque conosco; ele fica como garantia dos gastos aqui no hospital; se o plano de saúde não cobrir os valores que o hospital vai cobrar, então, nós depositamos o cheque".
- "Mas, como? Se eu tenho plano de saúde é exatamente pra não ter que passar por isso. Veja minha mulher, ela está morrendo... Está morrendo!".
- "Calma, calma. É rápido. Pegue seu talão que eu vou calcular quanto é o valor para o preenchimento..."
- "Eu... Eu não tenho talão de cheque aqui comigo".
- "Então me passa o relógio!"
Conclusão das histórias
O Código de Defesa do Consumidor já tem mais de 20 anos de vigência. Apesar de todos os avanços proporcionados, os abusos praticados contra os cidadãos-consumidores brasileiros ainda são muitos. Por isso, todos nós, consumidores que somos, precisamos estar muito atentos para não sermos enganados ou violados, pois, tirando a exigência do relógio, o resto acontece mesmo!
(*Rizzatto Nunes é desembargador do Tribunal de Justiça de SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. ** O texto acima foi publicado originalmente hoje na seção ABC do CDC do site jurídico Migalhas)
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Postado por: Rizzatto Nunes (*), 16 Abril 2011 às 00:00 - em: Falando Nisso