Dante Filho (*)
O som ao redor
A política domina a cena. É o assunto totalizante. Ele está grudado na nossa pele. Não conseguimos pensar em mais nada. A noção de espaço público ocupa nossa mente, dia e noite. Não há brecha para sensações interiores, lances astrais, romances transcendentais.
Parece que alguma coisa estranha grudou em nossa pele. Em todos os lugares, a fala é monocromática. Você olha para uma pessoa, ela parece suplicar: vai ter impeachment? Tem alguma notícia nova? O Supremo decidiu? O Moro prendeu alguém? O Renan pulou fora?
Não existe outro papo, outras relações, outros devaneios. Tudo agora é política, a vida transformou-se num grande Congresso Nacional.
Não há mais espaço para trivialidades. Tudo é urgente. Tudo é louco. Tudo gira. Queremos que tudo acabe rápido, mas nossa ansiedade pelo desfecho parece estar criando um novo estado de ser.
Imagino que quando “isso acabar” vamos ter crises de abstinência. Estamos viciados nessa realidade angustiante, repleta de pró e contra, eles e nós, coxinhas e petralhas, essa dualidade maluca que nos faz buscar no outro uma explicação etérea de nós mesmos, uma confirmação de nossas incertezas, um pânico pela lógica das coisas.
Estamos viciados em crise, em movimentos de rua, em bandeiras verde-amarela-vermelha, em slogans salvacionistas, em redes sociais nevróticas, em xingamentos públicos, em demolição de ídolos, em revisões de conceitos, em medo, raiva e nojo.
Estamos tendo uma overdose de discursos mentirosos, de tramas ocultas, de roubos incalculáveis, de palavras que revolvem a todo instante a nossa alma e nos faz nos perder no torvelinho de acontecimentos incessantes seguindo na direção contrária de seu próprio avesso.
É isso: a política irrompe sentimentos contraditórios e nossa mente registra coisas incongruentes ao mesmo tempo.
Somos contra aquilo que somos a favor. Somos contra a nossa discordância e concordamos com tudo o que pensamos aceitar numa boa, sem drama e sem dor. Somos de direita e de esquerda. Somos tudo e nada. Queremos um capitalismo de esquerda e um socialismo de direita. Vivemos a cada dia uma ânsia por explicações sobre qual a nova fé, o novo desejo, a nova transa.
Tremo só de pensar quando tudo isso acabar. Torço para que não acabe nunca. Se Dilma sair, vamos encarar o Temer? Será uma nova rodada de emoções? Novos momentos? Novos triques triques? Novos truques? Sentiremos saudades da louca d'Espanha? Nos conformaremos com o manequim de funerária? Lula vai ser preso? Quem será a nova carta do baralho?
Tranquilo, tranquilo, a política será assunto para muito tempo. Please, mais uma dose, é claro que eu tô a fim, a noite nunca tem fim: por que a gente é assim?
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: Dante Filho (*), 16 Abril 2016 às 11:15 - em: Falando Nisso