Heitor Freire (*)
O resgate do pum
Quando nos debruçamos sobre a nossa individualidade, vamos descobrindo situações interessantes, cômicas e hilariantes que até podem ser consideradas incômodas. Refiro-me à emanação, muitas vezes, estentórica, da expulsão de gases abdominais, o chamado peido. Tão simpático e importante que ganhou um apelido carinhoso: pum.
Há dias estou estudando sua importância e a pouca atenção que se dedica a ele.
O pum faz parte do nosso dia-a-dia. Todos os seres, animais racionais e irracionais, peidam. Tem uma participação permanente. E, ao longo da história, foi merecendo atenção de muita gente. Até Benjamin Franklin dedicou-lhe um ensaio com toda seriedade que o assunto exige. Por volta de 1781, quando era embaixador dos Estados Unidos na França, ele escreveu um ensaio que ficou conhecido como Fart Proudly (ou Peide com Orgulho), dizendo que soltar gases em público devia deixar de ser considerado um incômodo.
Pum é coisa séria, tema de filósofos e sábios ao longo da história. Santo Agostinho, segundo o filósofo alemão Peter Sloterkdjik, considerado um dos grandes renovadores da filosofia contemporânea, lidou com o que chamou “a semântica do peido”. Santo Agostinho, segundo Peter, proclamou com autoridade, em Civitate Dei: “Há homens que soltam tantos peidos sem fedor e a seu arbítrio, que parece que cantam também por aquela boca”.
A título de curiosidade, Joseph Pujol, comediante francês, (1857-1945), tornou-se famoso pelo controle que tinha dos músculos abdominais, o que lhe permitia flatular à vontade. E, em vez de sentir vergonha, descobriu o potencial artístico desse dom. Ele percebeu que tinha uma habilidade incomum, pois conseguia controlar de tal forma os músculos do abdômen e do ânus que, por via retal, retinha e expelia até 2 litros de água. Viu que, usando a mesma técnica, poderia controlar o ar e reproduzir músicas populares e relinchos de cavalo. Ficou rico, apresentando-se no Moulin Rouge, o famoso cabaré de Paris.
O meu amigo Marcos Villalba me disse que no século 16 dois espanhóis já trataram do assunto. Um deles, volta e meia era preso por suas irreverências. Don Francisco de Quevedo y Villegas, escreveu: “Gracias y desgracias de ojo del C...”. O outro, Don Manoel Marti, publicou o livro, “Defensa del Pedo” em latim.
Pum é coisa séria. Por sua ação eliminamos gases que, de outra forma, complicariam muito a nossa saúde.
A nossa sociedade, naturalmente, para estabelecer uma convivência “civilizada”, foi, ao longo dos tempos, criando normas de comportamento. O importante é cada um comportar-se de acordo com sua consciência. E ponto.
O pum exige estudo e compreensão, pois nos fornece informações muito importantes sobre a nossa saúde. O pum é um amante da liberdade, porque não aceita nenhum obstáculo a impedir sua livre caminhada. Quando encontra resistência, aí então é que se manifesta de forma eloquente e retumbante.
A rejeição a esse muitas vezes barulhento e mau cheiroso impulso orgânico não é tão velha assim. A repulsa ao pum surge com outros hábitos de higiene adotados com o crescimento das cidades no século 19. Como mostra o historiador Alain Corbin na obra "História da Vida Privada - volume 4" (Companhia das Letras), em uma época anterior, em que predominavam as comunidades rurais, o pum era sinal de "bom desempenho das funções naturais". A higiene íntima, fruto do processo civilizatório, é que acentua "o desejo de manter à distância o dejeto orgânico, que lembra a animalidade, o pecado e a morte", como diz o autor.
O pum é coisa nossa. Vamos tratá-lo com carinho.
(*Heitor Rodrigues Freire – corretor de imóveis e advogado)
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Postado por: Heitor Freire (*), 18 Março 2023 às 09:15 - em: Falando Nisso