O pum nosso de cada dia Heitor Freire (*)

O pum nosso de cada dia

O corpo humano fala. Ele tem um sistema de comunicação que, se devidamente entendido pelo homem, vai se constituir num aliado muito valioso. A grande maioria das pessoas não sabe decodificar essa linguagem, quase sempre silenciosa. Mas algumas emanações são ruidosas, e como são. Por exemplo, o arroto, o espirro e o pum.
 
A propósito, o grande escritor paraibano Ariano Suassuna, ao final de uma palestra para universitários, foi interpelado por alguém da plateia, que perguntou:
 
“Professor, o rock é um som natural?” Ele respondeu:
 
“Meu filho, só conheço três sons naturais: o arroto, o espirro e o peido”.
 
E assim ele encerrou ali, de maneira muito bem humorada e despretensiosa, uma discussão que poderia se arrastar indefinidamente.
 
Destas emanações, o arroto e o espirro são aceitos naturalmente. Os árabes, segundo uma lenda antiga, quando recebem alguém para uma refeição e o convidado não arrota ao final, consideram que o alimento não foi devidamente apreciado.
 
O espirro também tem características próprias, por exemplo, ninguém consegue espirrar de olhos abertos. E ao espirro deve-se dar livre curso para que possa cumprir seu objetivo: liberar energias pelo nariz.
 
Agora, já o pum, não é bem aceito socialmente. Há uma boa dose de constrangimento que o torna indesejado. Como se sabe, ele se manifesta quase sempre por um som próprio, muitas vezes acompanhado de um cheiro fedido.  Mas, sem dúvida, é uma das emanações corpóreas que tornam todos os seres humanos iguais. Todo mundo solta pum, todos os dias e muitas vezes. Uns mais, e outros menos.
 
O pum faz parte do resultado da digestão humana e continuará fazendo, e quanto a isso não há muito o que fazer – é claro que há algumas mudanças de hábito que podem ajudar a evitar gases.  Mas em geral, o pum pode gerar desconforto e dores abdominais, por provocar uma distensão no intestino. Mas o incômodo maior talvez seja a necessidade de lidar com ele. Não é à toa que existe pijama, cueca e calcinha anti-pum, à prova de constrangimento. Mas o que fazer quando não tem roupa que segure?
 
A rejeição a esse barulhento e mal cheiroso impulso orgânico não é tão velha assim. Conta-se que a "repulsa ao pum" só surgiu juntamente com outros hábitos de higiene adotados devido ao crescimento das cidades no século 19. Provavelmente, porque antes disso ele ficava circunscrito ao pequeno círculo familiar de cada pessoa. Depois, deve ter virado assunto nas rodinhas do bairro, da feira, das festas, e do trabalho.
 
O pum também é cultura. Por volta de 1781, Benjamin Franklin era embaixador dos Estados Unidos na França, e escreveu um ensaio que ficou conhecido como Fart Proudly (ou Peide com Orgulho), dizendo que soltar gases em público devia deixar de ser considerado um incômodo.
 
No artigo, ele escreveu também que seria importante dedicar recursos para encontrar uma forma de tornar a flatulência algo agradável ou simplesmente “inofensiva”. Isso poderia ser feito, talvez, por meio dos alimentos digeridos.
 
O autor distribuiu o ensaio a muitos amigos, inclusive a Joseph Priestley, um químico famoso por seu estudo dos gases e que, portanto, deveria se interessar pelo assunto.
 
O texto não chegou a ser publicado, e após a morte de Franklin, ficou um tempo esquecido, porém, reapareceu em 1990, numa antologia organizada por Karl Japikse e publicada pela Enthea Press intitulada Fart Proudly – Writings of Benjamin Franklin You Never Read in School (ou Peide com Orgulho – Escritos de Benjamin Franklin que Você Nunca Leu Na Escola).
 
Se para você pum é um problema, saiba que ele é inerente ao homem. "O ser humano elimina até 1,5 litros de gases por dia. Dá uma média de 10 a 20 flatos", disse Marcelo da Silva Pedro, médico-cirurgião do aparelho digestivo e 2º secretário do departamento de gastroenterologia da Associação Paulista de Medicina. As queixas sobre o excesso de pum, que segundo o médico são muito comuns, só não são maiores porque a maioria dos gases escapam despercebidamente.
 
A fabricação dos chamados flatos no nosso intestino também pode ter características genéticas e passar de pai para filho. "Pais passam bactérias para os filhos no convívio. O seu pum vai ser parecido com o do seu pai", disse o gastroenterologista e professor do gastrocentro da Unicamp, Ademar Yamanaka.
O que é possível fazer é aliviar o excesso e reduzir o odor. As dicas são bem simples. "Gases são fruto do que a gente come ou bebe", segundo Yamanaka. A dica é: observe a comida (e a forma como você come). Ou seja, a coisa tem jeito.
 
No anedotário nacional, conta-se que, o presidente da República, marechal Eurico Gaspar Dutra, tinha um chefe de gabinete chamado Carlos Alberto Aguiar Moreira, um homem muito sagaz. Belo dia, o presidente Dutra teria comido uma feijoada antes de um ato no Palácio do Catete, ao qual estavam presentes ministros, senadores, deputados, jornalistas, famílias aristocráticas etc., pois ele iria assinar um documento muito importante. Era um silêncio respeitoso no salão, quando o presidente Dutra, num deslize acidental, soltou um belo pum que ecoou na sala, num estrondo imenso.  Então o chefe de gabinete Carlos Alberto, que estava atrás do presidente, curvou-se e disse em alto e bom som para que todos ouvissem: “Perdão, presidente”, assumindo para si o pum presidencial. Esse nobre gesto lhe valeu a eterna gratidão do presidente e a nomeação para um belo cargo. É o pum fazendo história.
 
Proponho que se faça um resgate do pum nosso de cada dia.
 
(*Heitor Rodrigues Freire – corretor de imóveis e advogado)


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Postado por: Heitor Freire (*), 11 Fevereiro 2023 às 08:30 - em: Falando Nisso


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