André Fredo (*)
O Processo Civil Cidadão
Promulgada no dia 5 de outubro de 1988, após 20 meses de trabalho intenso de 559 parlamentares constituintes entre deputados e senadores à época, a "Constituição Cidadã", assim chamada a Constituição da República Federativa do Brasil, ganhou este apelido por ser considerada a mais completa entre as constituições brasileiras, com destaque para os vários aspectos que asseguraram à cidadania.
Cidadania é o exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais estabelecidos na Constituição de um País. Ao proibir a justiça de mão própria e afirmar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV), a Constituição afirmou o dever do Estado de prestar tutela jurisdicional adequada e efetiva aos cidadãos brasileiros.
Vale dizer: ao propor uma ação judicial, não basta uma sentença declarando o direito após anos aguardando uma decisão definitiva, mas por meio de um processo que observe a razoabilidade entre a duração deste e a complexidade do debate da causa que nele tem lugar. Este é um dos deveres do Estado, dotar os cidadãos de instrumentos capazes de tutelar os direitos prometidos pelas Leis do país, em tempo razoável.
No Brasil, quando se trata do tempo aguardando a solução de um processo judicial, a maioria de nós, prontamente, concorda que há uma demora desproporcional e patológica. É um problema antigo do nosso Poder Judiciário, tanto que o Ilustre jurista brasileiro Rui Barbosa certa feita discursou “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.
Segundo esse ponto de vista, um processo justo implica no direito a um processo sem dilações indevidas, que se desenvolva dentro de um tempo justo, sob pena de alguém que já sofreu a injustiça da violação do seu direito, ter outro direito violado, o direito a uma tutela jurisdicional tempestiva.
Passados 25 anos de sua promulgação, adentra ao ordenamento jurídico brasileiro o mais novo instrumento de fundamental importância na realização dos direitos previstos na própria Constituição Federal e nas Leis civis do País. Trata-se do novo Código de Processo Civil – CPC brasileiro, que trará reflexos políticos, sociais e econômicos à sociedade brasileira.
Assim como a Constituição Federal, o Novo CPC é fruto da colaboração de toda a sociedade e o primeiro texto processual aprovado no período democrático. Foram anos de tramitação no Congresso com a contribuição de vários segmentos da sociedade.
Para que possamos entender a importância do novo Código de Processo Civil, lembremos que ele tem a função de tornar-se o instrumento viabilizador da efetiva cidadania prometida pela Constituição Federal, construindo uma sociedade livre, justa e democrática.
Com uma função tão nobre, o novo Código de Processo Civil pretende ser um instrumento a serviço da paz social. Dentre alguns avanços trazidos pelo novo Código de Processo Civil, destaca-se os mecanismos de agilização dos julgamentos, a redução do número de recursos e outras soluções que poderão reduzir em até metade o tempo atual de tramitação dos processos. Há, ainda, o estímulo à adoção de meios alternativos de solução dos conflitos (como audiência de conciliação ou mediação), tornando a solução pelo Juiz uma espécie de última alternativa.
Outro ponto de extrema importância no novo Código, importado do Direito europeu, diz respeito ao princípio da cooperação (ou da colaboração), uma moderna concepção processual que busca distanciar-se daquela visão do Juiz, inerte, esperando que as partes lhe convençam com os seus argumentos e provas, para outro, muito mais efetivo, segundo o qual a solução judicial seria um produto da atividade cooperativa entre o juiz e a participação ativa das partes. Trata-se de uma evolução do princípio do contraditório, no qual o Juiz se tornará mais participativo na busca de uma solução justa para o conflito.
É certo que não é só aprovando um novo Código de Processo Civil que todos os elementos causadores da morosidade judicial serão solucionados, mas sem dúvida, este Código foi um passo fundamental rumo a uma Justiça mais cidadã. Afinal, tão importante como uma lei processual penal que diminua a impunidade daqueles que surrupiam o País por meio da corrupção, também, o é ter uma lei que garanta os direitos civis aos cidadãos do país.
Em conclusão, o novo Código de Processo Civil pretende-se, também, “cidadão”, na medida em que renova a esperança de que os cidadãos brasileiros terão um instrumento efetivo e eficaz de alcance dos direitos previstos na Constituição Cidadã e nas Leis civis do País, concernente em um processo que garanta ou restabeleça, na medida do possível, o direito violado, adequado às peculiaridades do caso concreto e em tempo razoável.
Nosso antigo Código de processo civil, vigente desde 1973, embora tenha passado por inúmeras reformas legislativas, na prática não se demonstrou adequado à efetiva tutela dos direitos que a Constituição Cidadã se comprometeu a entregar, ou seja, a cumprir com a sua função.
Revelando uma clara ideologia patrimonialista, reflexo dos valores liberais vigentes a época, o código de processo civil anterior, pecava na demasiada burocratização da função judicial e no isolamento do processo em relação à realidade social dos destinatários, dificultando ao juiz julgar de acordo com as particularidades que cada caso apresenta e demonstrando certa despreocupação com os direitos mais importantes do homem, como os direitos da personalidade.
(*André Luiz de Jesus Fredo é advogado em Campo Grande)
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Postado por: André Fredo (*), 22 Março 2016 às 11:50 - em: Falando Nisso