O paradoxo do golpe Dante Filho (*)

O paradoxo do golpe

Existe uma parede branca. Ela é lisa e imaculada. Alguém chega e prega um cartaz com um aviso: “é proibido colocar quadros nessa parede”. Nasce o paradoxo. A cena desmente a própria interdição. Ou seja: a intenção de que a parede fique intocada é negada por esse gesto. 
 
O mesmo ocorre com a frase “não vai ter golpe”. Ela é verdadeira. Tem sua afirmação e negação. Tem seu texto e contexto. As próprias manifestações contra e a favor do Governo contem em si o discurso de que o processo político em curso é antigolpista. Golpe só existe, a rigor, quando um grupo armado toma pela força ou esperteza um governo constituído democraticamente. Não é o caso atual.
 
Mesmo com alguns sopapos e debates acalorados não existe partido, exército, bandos organizados manifestando intenção de alterar as regras do jogo à bala. “Não vai ter golpe”. Não vai mesmo. O que o governismo poderia gritar – sem brincar com paradoxos – talvez fosse que “somos contra o impeachment”. Mas isso é outra história.
 
A questão é simples. O impedimento presidencial é instrumento constitucional. A constituição é um contrato social em que maiorias imputam regras gerais de convivência coletiva, podendo inclusive determinar qual o conceito valorativo das minorias. É certo: existem malucos pedindo a volta do regime militar. A democracia tem disso: ela concede liberdade para pessoas reivindicarem sua supressão. Esse é outro paradoxo.
 
Por isso, a idéia de que está em curso um golpe no País esvazia-se no espaço opaco de sua própria contradição. Quando militantes propagam esse slogan político em praça pública não consigo deixar de vê-los como tarados em busca de autocontençao paterna. A afirmação, na verdade, tem um significado dúbio. A negação pode ser desejo explícito pelo objeto. 
 
As palavras são utilizadas no momento para se buscar estreita relação com um fato histórico: o golpe de 64. Mas as circunstâncias daquele tempo não são as mesmas de hoje. Depreende-se, então, que colocar elementos de meio século atrás num ambiente nacional e mundial completamente diverso significa flertar com o masoquismo. O “não vai ter golpe”, nesse caso, parece soar como “eu quero um golpe para chamar de meu”.
 
O problema é a questão política: governistas e anti-governistas fazem uma guerra de mantras. Numericamente, a ideia-força do impeachment está vencendo. A conseqüência natural é que vença. Mas nesse campo não há lógica, pois não é uma atividade esportiva. Existem as instituições. Por trás delas, os seres humanos que as comandam. Sensações, sentimentos, percepções, tudo isso influencia os rumos desses processos. 
 
Os governistas reclamam que as mídias manipulam os fatos. Elas tem razão quanto à constatação do fenômeno, mas querer que o noticiário seja aceito em nome de juízos puros sobre os acontecimentos que nos cercam revela mente autoritária.
 
Mas e a “seletividade” das informações (que agora também resolveram denominar “vazamentos”)?. Bem, aí é preciso compreender que selecionar nada mais é do que um elemento de nossa natureza. Chegamos até aqui por meio da seleção natural. Se considerarmos que o Estado também pode ser um organismo social, então os embates coletivos certamente escolherão o que será melhor para a nossa sobrevivência como Nação.
 
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
 


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Postado por: Dante Filho (*), 21 Março 2016 às 14:15 - em: Falando Nisso


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