O País real Dante Filho (*)

O País real

O mito da folia como rito de passagem obrigatório para que um País inteiro expurgue os males do passado para purificar-se no futuro (incerto) inscreve-se em tradições milenares.
 
Há teses aos borbotões sobre o efeito catalisador do carnaval como maneira de compreender as dores e humores da coletividade.
 
Claro que todo o acontecimento não pode ser reduzido ao desfile das escolas de samba nos grandes centros urbanos. Esse evento está apenas na superfície da multiplicidade das camadas alegóricas da sociedade.
 
Mesmo não sendo partícipe direto do “grito alegre das ruas” sabemos que o transcurso do fenômeno é hegemônico, principalmente pelo efeito ubíquo da midiatização do “espetáculo”, cada vez mais dominado pela indústria do entretenimento e do turismo.
 
Até acho que tudo estaria correndo dentro dos conformes não fosse a divulgação recente da pesquisa da Fiocruz – logo que Momo começou a balançar a pança -  levantando a hipótese de que o zika vírus pode ser transmitido pela saliva e urina.
 
Ou seja: é proibido beijar, cuspir e fazer xixi na rua. E o que é o carnaval sem beijos na boca, sem a transgressão dos corpos, sem a euforia erótica, sem os fluídos dilacerantes da carne expostos em praça pública?
 
No meio da farra, um mosquito decidiu cortar o barato desse momento exclusivo de homenagem da alegria à fantasia e jogar o povo no angustiante drama da vida real. 
 
De certa forma, isso antecipa o que será 2016. É irônico pensar que a natureza não nos concedeu um raro momento de prazer para enfrentar, a posteriori, um rio de sangue, suor e lágrimas. 
 
Os dados econômicos demonstram que os brasileiros viverão um terrível revertério nos próximos anos. Os governos estão inertes. Medidas paliativas demoram a impactar no dia a dia. O fantasma do desemprego assombra as famílias.
 
Mesmo os mais otimistas percebem que a materialidade da crise tem uma dimensão que ultrapassa a vontade individual de superá-la.
 
A propaganda governamental, tentando estimular uma espécie de salvacionismo do espírito de luta dos brasileiros, soa como uma tentativa ridícula de reviver o “ame ou deixe-o” do período ditatorial.
 
Os fatos políticos – com a sucessão de escândalos, pedido de impeachment, conflitos de interesse partidários, sucessão municipal etc. – amalgamam um processo de agravamento das tensões sociais, realimentando a crise econômica em direção ao imprevisível.
 
A sensação geral é de que o País pode entrar em convulsão, fruto da ingovernabilidade e da certeza da incapacidade da presidente Dilma em administrar o Estado fora dos pressupostos do populismo.
 
O Brasil perdeu o bonde da história quando deixou de fazer uma reforma política profunda em 2013. Nosso sistema representativo desconfigurou-se completamente, transformando-se num mostrengo que não consegue gerar outra coisa que não seja corrupção, clientelismo e patrimonialismo.
 
O mais curioso é que ninguém quer se responsabilizar pelo caos. Há um jogo de empurra-empurra e barata voa aguardando que os acontecimentos tenebrosos caiam no colo de alguém. A bola da vez é Lula. Quem será o próximo?
 
Nossa política, infelizmente, permanecerá nesse processo estacionário, aprofundando o atraso e fortalecendo as forças regressivas, misturando oportunismo, religiosidade e representação pífia, o que gerará mais descrença na classe política como fator gerador de democracia e prosperidade.
 
O cenário não é bonito. O sentimento de fracasso geracional convoca parcela da nossa força de trabalho melhor educada a seguir o caminho do aeroporto, a tentar a vida noutras paragens.
 
Entre o carnaval e o País real dilui-se momentaneamente a expectativa de que a vida será cada vez mais difícil - e sobreviver será um ato de coragem. 
 
Em situações como essa parcela do eleitorado tende a acreditar em soluções milagrosas, abrindo espaço para aventureiros que sabem aproveitar da combinação útil do desespero com ignorância, propondo saídas mágicas para problemas insolúveis em curto ou médio prazo. 
 
A sociedade terá que aprender que Governar não é para principiantes nem para personagens que rivalizam com Al Capone. Será útil para o Brasil, depois do carnaval, avaliar que nosso destino depende de nossas escolhas. Mas escolher quem num momento de tantas dúvidas e desconfiança? Esse será o dilema que enfrentaremos nos próximos anos.
 
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
 


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Postado por: Dante Filho (*), 09 Fevereiro 2016 às 15:00 - em: Falando Nisso


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