Marcelo Barbosa (*)
O mal-estar da favelização
Ao olharmos a linha histórica das favelas no Brasil, uma série de fatores raciais, econômicos e sociais deve ser analisada. A população negra começou a ocupar esses espaços distantes dos centros no período pré e pós-abolição, devido à falta de políticas públicas que garantissem seus direitos. Somado a isso, houve o processo de migração de nordestinos que buscavam mais oportunidades na cidade grande. Já o Morro da Providência, a primeira favela do Rio de Janeiro, surgiu como uma remediação para a ausência de moradias, formada por ex-combatentes da Guerra de Canudos que retornaram sem amparo do governo.
Longe dos centros urbanos, todas essas pessoas que buscavam uma vida digna hoje encontram mato, lama, esgoto, grilagem de terrenos, associação criminosa, tráfico de drogas, briga entre facções, mortes, medo e a presença do Estado, que confronta este fenômeno social com a polícia.
Diante desse cenário de mazela social, observado em todos os princípios de moradia irregular no país, defrontamo-nos com um indivíduo desamparado em sua existência, iludido com uma liberdade falsa e frustrado com o sonho de sobreviver em um novo local. Naturalmente, esse ambiente de impotência, unido ao desejo de viver e à necessidade de uma vida digna, causa em seus atores sociais, sofrimentos psíquicos e patologias que muitas vezes têm consequências desastrosas.
Será que é coincidência mais da metade da população carcerária do Brasil ser parda, negra e oriunda da favela? E os altos índices de analfabetismo, desemprego, violência doméstica, alcoolismo, drogas, obesidade, desnutrição e má alimentação que envolve esse público são apenas estatísticas? É óbvio que não! Estamos falando de um problema de saúde física e mental causado pela influência de um meio social, como bem diz o psicólogo Jean Piaget.
A interação entre o sujeito e o meio, ou seja, o ambiente e o contexto que uma pessoa vive, influenciam a sua formação e, também, podem determiná-la. Temos vários teóricos que apontam esta relação, e esses conceitos precisam entrar na vida política.
Enquanto o mal-estar da civilização de Freud acontece pelas regras sociais como fomento de controle e poder, as favelas sofrem por ter as próprias regras e a negligência do Estado.
(*Marcelo Barbosa é psicanalista, pedagogo e escritor. Publicou a trilogia “Favela no Divã” e o livro “A vida de cão do Requis”, para traçar críticas às consequências da marginalização na saúde mental)
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Postado por: Marcelo Barbosa (*), 26 Junho 2024 às 11:45 - em: Falando Nisso