O homem que peneirava palavras Ruben Figueró (*)

O homem que peneirava palavras

Há homens que não precisam estar presentes para ser evidentes. Assim é Manoel de Barros. Em sua simplicidade, ele retratou de forma extremamente sensível a exuberância do Pantanal. Expoente da nossa poesia, encantou com suas palavras leitores no Brasil e no exterior. Em sua premiada obra de 28 livros publicados, deixou jóias, como o poema “O apanhador de desperdícios”, o qual transcrevo trecho:
 
“(...)Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios (...)”.
 
Há tempos não via uma personalidade ser tão consagrada por ocasião de sua morte como o foi merecidamente Manoel de Barros. Ele retratava a “grandeza do ínfimo” e dizia que “poesia não é para entender, é para incorporar”.
 
O poeta virou passarinho, como muitos disseram, no dia 13 de novembro, aos 97 anos de idade. Deixará saudades, é inegável, mas seu legado ficará para a posteridade a emocionar aqueles que amam o belo e o singelo.
 
Homem de dupla naturalidade, pois nascido no Mato Grosso, viveu a vida toda no nosso Mato Grosso do Sul, sempre a ressaltar a natureza do Pantanal.  Dele, o Pantanal, soube transformar, com sua sensibilidade apurada, em palavras não só as belezas daquela vegetação, como o canto dos pássaros e o ruído multifacetado dos animais. Enxergava pela lente da emoção e da singeleza. Tornou-se com a maior naturalidade no homem que peneirava palavras.
 
Tive a honra de conhecê-lo na década de 50 do século passado. Era uma expressão literária que do Pantanal se estendia “campo fora”. Lembro-me que os seus colegas advogados e dele mais próximos davam-lhe o epíteto de “Mané Sociá” em razão de suas manifestações políticas quando jovem. Homem discreto, Manoel de Barros não era muito de falar em público e certa vez declarou: “O jeito que eu tenho de me ser não é falando, mas escrevendo”.
 
Ele descansa agora após uma longa vida de intensa produção literária. Com grande alegria tomei conhecimento de que sua obra será toda reeditada e deverá ser lançada no início do próximo ano.
 
O certo é que a poesia de Manoel de Barros será sempre e sempre o testemunho daquele que soube captar da natureza a riqueza da vida e o fez com a humildade que é a verdadeira assinatura dos homens que pensam e deixam um legado que só os grandes podem edificar para as gerações futuras.
 
Ao saber de sua morte pensei em prestar-lhe uma última homenagem no Senado da República. Devo apresentar um Projeto de Resolução sugerindo a criação pelo Senado de um concurso de poesia com a temática ambiental. Os vencedores receberão o Diploma Manoel de Barros. Espero ter o apoio de meus pares para encerrar o meu mandato e a minha vida parlamentar prestando esta honraria ao nosso poeta pantaneiro. Afinal, Manoel de Barros se imortalizou por peneirar palavras e registrar no papel os diamantes que encontrava a partir de sua percepção aguçada das “coisas desimportantes”, como ele mesmo dizia.
 
(*Ruben Figueiró é senador e presidente de honra do PSDB-MS)


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Postado por: Ruben Figueró (*), 17 Novembro 2014 às 15:05 - em: Falando Nisso


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