O fim é o começo Leonardo Avelino Duarte (*)

O fim é o começo

No dia da República, e no 25º ano de vigência da Constituição Federal, começaram a ser decretadas as prisões que marcam o derradeiro capítulo da ação penal 470, a do Mensalão. O simbolismo é inequívoco.
 
A detenção dos condenados surpreendeu muitos brasileiros que acreditavam que isso nunca iria ocorrer. Com todas as críticas que se podem fazer ao mensalão, muitas das quais concordamos, como o casuísmo no julgamento, a aplicação da teoria do domínio do fato – que basicamente autoriza a uma decisão sem provas – e o cerceamento do devido processo legal com o impedimento do desmembramento do caso, no caso dos réus que não tinham direito a foro privilegiado, a simples conclusão deste espantosamente complexo julgamento é um sinal de amadurecimento das nossas instituições democráticas.
 
Isso não deve impedir, porém, que se tirem lições que devem imediatamente ser aplicadas para que desta vitória surjam outras. Com efeito, aqui e alhures, é o caso da sociedade brasileira não descansar em cima dos louros conquistados.
 
O primeiro ponto em que devemos melhorar é a duração do processo. Entre a aceitação da denúncia e o julgamento dos embargos infringentes e declaratórios, cerca de sete anos e meio se passaram, mais tempo do que durou a segunda grande guerra. Isso não é culpa apenas do judiciário. Ao contrário, neste caso, o STF muito se esforçou para que o julgamento fosse realizado. Porém, mais poderia ter sido feito. Por exemplo, os votos podem ser mais curtos, alguns juízes podem aceitar melhor o que os outros pensam, sem os desnecessários e deselegantes bate-bocas, poder-se-ia revisar o regimento interno para abolir recursos como os embargos infringentes etc., mas, neste ponto, o principal responsável é a nossa legislação processual, arcaica e bizantina. Preocupa-nos o fato de não se falar em reforma constitucional e processual neste sentido, principalmente aquela para acabar com o foro privilegiado para diversas autoridades da república.
 
A confusa legislação leva também a outro problema, terrivelmente sério, que é a falta de segurança jurídica. Por segurança jurídica, entende-se o conjunto de previsibilidade que o direito tem que oferecer a todos os cidadãos. No caso da ação penal 470, nem os Ministros, nem os advogados, ou ao menos os acusados, sabiam, com antecedência, a forma pela qual iria proceder o julgamento. Não é bom sinal às democracias que os acusados em procedimento penal não saibam, com antecedência, como se dará o processo. Isso é coisa típica de Estados totalitários, ou regimes de exceção.
 
Outro ponto que deve ser revisto é o atual modelo de julgamento adotado pela Suprema Corte. Parece-nos muito mais produtivo o modelo americano, que dispensa a leitura de longos votos e debates acalorados entre os Ministros. Nele, juízes e advogados discutem a respeito da causa e depois há a leitura de apenas um voto, resultado da ampla discussão entre juízes. No atual sistema, a corte suprema dedicou mais de três meses de suas reuniões plenárias, em meados de 2012, praticamente só para julgar um único processo, enquanto há tantos outros, de importância máxima para as partes, à espera de julgamento.
 
Por fim, também a propósito do julgamento do mensalão, deve-se discutir o poder da imprensa e a pressão popular nos julgamentos. Segundo alguns, a independência da magistratura estaria sendo comprometida para privilegiar a vontade popular. Não foram poucos os momentos em que na ação penal 470 os julgadores tiveram sua honestidade e imparcialidade questionados. A questão é saber até onde, enquanto povo, devemos submeter os Tribunais à pressão popular. Quer parecer, a respeito deste assunto, que os juízes devem julgar segundo sua consciência, as leis e o processo, sob pena de termos um judiciário populista, onde pouco valem as garantias constitucionais como o direito de defesa. Sem dúvida, temos que fazer o possível para que não seja verdade o brocardo segundo o qual hoje o juiz corajoso absolve, enquanto no passado, condenava.
 
Não podemos perder esta oportunidade de melhorar o país, aperfeiçoando seu sistema judicial e extraindo lições do julgamento da ação penal 470. Caso contrário, no futuro, o mensalão poderá ser lembrado apenas como a primeira e única exceção à regra de que os crimes do colarinho branco não têm punição, nesta terra de Vera Cruz.
 
(*Leonardo Avelino Duarte é advogado, conselheiro federal da OAB e ex-presidente da OAB-MS)


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Postado por: Leonardo Avelino Duarte (*), 19 Novembro 2013 às 17:45 - em: Falando Nisso


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