Pedro Pedrossian Neto (*)
O custo do pão e do circo
Acendeu-se a “luz amarela” no quartel-general dos estrategistas do Planalto: às vésperas da copa do mundo, em pleno ano eleitoral, o governo prepara-se para a reedição das manifestações que sacudiram o País em meados de 2013 e que derreteram, em semanas, a popularidade da presidente Dilma. Salvo se o Brasil for campeão – o que, convenhamos, não é tarefa simples, mesmo jogando em casa –, é grande a probabilidade de crescimento de candidaturas rivais que irão explorar a fragilidade da opção do governo em gastar o dinheiro do Estado na promoção de um evento supérfluo, caro, e que carrega o traço populista da milenar política romana: distribuir o pão para aplacar a fome e promover o circo para entorpecer a crítica.
Sob qualquer ótica, é difícil defender o governo federal neste assunto. Trata-se, realmente, de uma sangria de recursos públicos, embora se contra-argumente que existe um “legado” da copa – principalmente na questão da mobilidade urbana. Entretanto, como o investimento em transportes poderia ser feito a despeito da existência do mundial, o argumento logo cai por terra. Fica, apenas, o contraste (inconveniente) entre a suntuosidade dos estádios, de um lado, e a miríade de necessidades não-atendidas da sociedade, de outro. A copa consolidou no imaginário coletivo a ideia de que há má gestão das prioridades nacionais pelo governo.
Trazendo a questão para a realidade do MS, pode-se fazer o seguinte exercício: o que daria para fazer em matéria de políticas públicas e investimentos no Estado, por exemplo, caso fosse destinado para cá o R$ 1,403 bilhão gasto na construção de apenas um estádio, o caríssimo Mané Garrincha de Brasília?
Talvez este dinheiro tivesse melhor aplicação caso servisse para proporcionar alguma alternativa aos 50,3 mil jovens sul-mato-grossenses entre 10 e 17 anos que, segundo os dados do IBGE, precisam sujeitar-se ao trabalho infanto-juvenil para o sustento de suas famílias. Destes, nada menos do que 12,4 mil – isto é, um em cada quatro jovens – não frequentam a escola. Exceções à parte, estão condenados a uma vida adulta cheia de dificuldades: inserção subordinada no mercado de trabalho e baixos salários. É irônico, mas é tanta gente que daria para encher um estádio...
E se, ao invés das arenas, nos fosse dada a opção de construir escolas? Seria possível, apenas com o dinheiro do Mané Garrincha, edificar 117 escolas do programa Brasil Profissionalizado, do próprio Governo Federal, proporcionando a cerca de 140 mil alunos uma formação profissional integrada ao ensino médio. É muito mais do que o necessário para o MS, mas se fizéssemos 1/5 disto nas cidades-polo do Estado, já seria uma verdadeira revolução educacional no interior. O Governo estadual, através da Secretaria de Educação, vem lutando para a atração de recursos e as escolas profissionalizantes são realidade, por exemplo, em Chapadão do Sul, Dourados e Naviraí, mas muitas outras cidades, estagnadas e sem perspectiva, também precisam deste investimento.
Outra opção: utilizar o pródigo dinheiro do estádio para universalizar a rede de água, de coleta e tratamento de esgotos no MS. No Brasil, as 100 maiores cidades jogam 3.500 piscinas olímpicas de esgoto por dia na natureza. No MS, apesar do esforço de investimento de R$ 1 bilhão no período 2007 a 2014, a rede de esgoto chegará a apenas 50% das residências. É um enorme avanço tendo em vista que em 2006 a abrangência era de apenas 14%, mas ainda assim este é um problema sem solução à vista.
E o conflito indígena, então? Com menos da metade do dinheiro gasto no estádio de Brasília seria possível comprar – pagando o preço de mercado, e não o de mentira – todas as terras para as etnias que pleiteiam expansão de suas áreas. Estaria resolvido o conflito fundiário e a classe produtora poderia destinar novamente a sua energia para trabalhar, produzir alimentos, gerar emprego e renda, e não mais ser obrigada a defender-se de invasões, tanto nos tribunais quanto no campo.
Por último, outra lacuna grave de política pública no MS que poderia ser sanada com uma fração do valor gasto no referido estádio: a criação de um centro de padrão internacional para tratamento, reabilitação, promoção da qualidade de vida e integração das pessoas com deficiência na sociedade. Paraplégicos, tetraplégicos, pessoas com traumatismo crânioencefálico, vítimas de acidentes vascular encefálico, pessoas com deficiência intelectual, etc., de diversas idades, precisam com frequência dirigir-se aos grandes centros do país em busca de tratamento. Por que isso não é prioridade?
A astúcia romana descobriu que, em tempos de crise, acalmava-se o povo com a construção de grandiosas arenas, nas quais gladiadores, em espetáculo de sangue, em meio a animais ferozes, bigas, palhaços, artistas de teatro, afastavam o tédio da plebe. A classe política brasileira, apostando igualmente na rudeza do povo, no discurso retumbante e populista de um “Brasil campeão”, será responsável pela copa do mundo mais cara de toda a história dos jogos da FIFA. Mas, ao invés de embotar o tédio, despertou a ira das ruas.
(*Pedro Pedrossian Neto, de 32 anos, é economista, empresário e mestre e professor de Economia Política pela PUC-SP)
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Postado por: Pedro Pedrossian Neto (*), 28 Janeiro 2014 às 15:28 - em: Falando Nisso