Fernando Larangeira (*)
O carnaval e a política
Ao contrário do que se diz, o carnaval não é uma festa tipicamente brasileira, nem está, necessariamente, atrelado ao exibicionismo de corpos desnudos. Ele está presente em todas as culturas e significa um período em que a sociedade paralisa sua rotina habitual e passa a se comportar de maneira extraordinária. Realiza-se, portanto, um ritual de inversão, onde o pobre passa a figurar como rico e o rico passa a ser pobre; ao recatado, é concedida a liberdade de ser extrovertido; à moça distinta, é permitida a paquera com rapaz de classe social menos abastada.
O carnaval é, portanto, o negativo de uma fotografia. Vale recordar que, paralelamente, ao período do regime militar, seguido aos anos oitenta, noventa, quando o Brasil sofreu, primeiro, uma opressão política e depois uma opressão econômica, o carnaval inspirava um grande desejo de liberdade, representado pelas modelos que desfilavam em carros alegóricos praticamente, nuas, sem qualquer proteção de uma fantasia.
De lá para cá, a sociedade vem passando por alterações e o carnaval, por sua vez, vem seguindo a mesma sorte. O expectador dessa festa perdeu o encanto pelo carnaval “televisionado”, típico da década de 80/90, onde a atração era passar horas assistindo aos passistas desfilar pelas escolas de samba- algo que se tornou monótono e tedioso. A sociedade está desejosa que o carnaval seja curtido de outro modo: que ele seja brincado na rua, de forma espontânea, inclusive, sem a regência de uma banda específica.
Campo Grande tem vivenciado essa tendência por meio dos cordões que se organizam na região da antiga ferroviária e a mídia nacional, por sua vez, tem retratado o mesmo movimento, dando ênfase a celebrações que antes ficavam em segundo plano como, por exemplo, cordão da bola preta (RJ), carnaval de salvador (BA) e galo da madrugada (PE).
Se a sociedade está se inclinando para um carnaval mais desorganizado, isso é prova cabal que a realidade, de hoje, não anda bem das pernas. Atualmente, o tipo de carnaval mais divulgado pela mídia é de estilo militarizado, onde não mais se dança, mas se faz coreografias; é proibido que as alas de passistas se misturem; dentre os expectadores, há uma separação rígida entre áreas VIPs e espaços populares. Isso ocorre porque, no cotidiano atual, está estabelecido um verdadeiro caos, uma desordem assustadora.
A comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados é comandada por parlamentares intolerantes e inflexíveis; um advogado sem pós-graduação é ministro do Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do poder judiciário; o Poder Legislativo, simplesmente, não faz leis, devendo o Poder Judiciário tomar uma postura ativista; a presidente da República perdeu sua autoridade, sendo a país governado pelo seu vice; o cargo de deputado cai muito bem em um palhaço de circo; na economia, acredita-se que é possível crescer sem investimento em infraestrutura, dando maior estímulo ao consumo do que à produção; nas relações internacionais, a presidente não respeita a soberania de outros países e, finalmente, para fechar o desfile com chave de outro, a Petrobras, empresa que explora o petróleo nacional por meio de monopólio, está em crise, beirando à falência.
Fazendo um encaixe do quebra-cabeça, que é a nossa realidade cotidiana, fica claro observar que a mesma é quem merece receber o status de carnaval e o que chamamos de carnaval é aquilo que almejamos que seja o cotidiano, em razão da harmonia e da organização que expressa.
O carnaval é uma festa popular que existe em sociedades de todos os locais e épocas. Ele não acaba; apenas apresenta nova vestidura, acompanhando o movimento da sociedade. Apesar do estado deletério da atualidade, inclusive, da atualidade política, a sociedade vem reagindo, dando a entender que seu desejo é que o cotidiano seja regido pelos valores de justiça, pelo cumprimento às leis e que a desordem e o caos passem a existir de maneira excepcional, em meados de fevereiro, quando habitualmente se celebra o Carnaval.
(*Fernando Larangeira é advogado em Campo Grande, especialista em Direito Público e conselheiro da Associação dos Novos Advogados ANA-MS).
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Postado por: Fernando Larangeira (*), 04 Junho 2015 às 15:15 - em: Falando Nisso