Edson Moraes (*)
Não há racismo do bem!
Quero crer que a ministra Anielle Franco foi pega de surpresa pela atitude da sua ex-assessora, Marcelle Decothé, que em um comentário de ofensa racista questionou a "torcida branca" do São Paulo.
À ministra não cabe - e ela nem deve julgar que basta - tão só demitir a servidora. É preciso ver se o vergonhoso contraponto pode replicar-se no âmbito do Ministério da Igualdade Racial, que precisa ter o máximo de credibilidade e envolvimento da sociedade para levar a bom termo a política publica de prevenção e combate a todas as formas de discriminação.
A ex-assessora usou uma retórica de falsa jocosidade, pois é depreciativa e humilhadora. Pior: é perversa, empareda-se na analogia regressiva de tradicionais ironias do mito da democracia racial brasileira, aquelas do tipo "preto quando não caga na entrada, caga na saída" ou "faça um serviço (bom) de branco".
É inadmissível para o ministério e para o governo Lula que dentro de seu ventre, de posições estratégicas de gestão, alguém se manifeste a bel-prazer com expressões que, frontalmente, colidem com práticas, preceitos e conceitos oficialmente inscritos no conteúdo de suas políticas públicas.
O compromisso e a coerência de Anielle com as lutas pela igualdade racial, liberdades democráticas e direitos humanos são sobejamente conhecidos e inquestionáveis. Equivalem ao que a sua assinada irmã Marielle fez em vida e por isso, com certeza, foi executada.
Por isto, cabem a Anielle, ao presidente Lula e a toda equipe ministerial, prevenir-se, cortar o mal pela raiz, impedir ou não permitir que outras Marcelles, neste ou naqueles gêneros, estejam na esteira das políticas publicas e atividades de governo.
Trata-se de um cuidado imperativo, até porque revela uma realidade inescondível: a prática do racismo, estrutural ou instintivo, chega pelos gestos, atitudes e palavras de pessoas de toda condição social, econômica, cultural ou intelectual.
A assessora Marcelle, que praticou discriminação racial contra pessoas não-afrodescendentes, é formada em Defesa e Gestão Estratégica Internacional pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Sua carreira acadêmica inclui pesquisas no Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, assim como estudos sobre "Eleições e Evangélicos". E, por mais irônico que seja: ela foi nomeada pelo ministério para fazer parte do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
O preconceito humilha, rebaixa, deprecia. Exclui. Fere. E mata.
Combater o racismo sofrido pelos pretos não pode servir de assento para acomodar o racismo reverso.
Nenhuma forma de racismo é do bem.
(*Edson Henrique Figueiredo de Moraes é jornalista e radialista desde 1974, autor de três livros. Corumbaense, corinthiano e vascaíno, mora em Campo Grande desde 1978)
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Postado por: Edson Moraes (*), 27 Setembro 2023 às 11:45 - em: Falando Nisso