André Luiz Alvez (*)
Minha querida cidade
Campo Grande caminha enquanto nela apressados embarcamos. Busca o futuro lá na frente, não se sabe bem aonde vai chegar, mas prossegue caminhando, passos largos, decididos. Sou filho desta terra, nascido aos pés do portão de ferro no bairro Amambaí, criado no Guanandi, Taveirópolis, Taquarussu e Jacy. Sinto saudades dos tempos que a Avenida Bandeirantes não tinha asfalto ao mesmo tempo em que me orgulho ao confrontar a enorme metrópole que minha cidade se transformou. Concreto fundido com o verde da mata, cheiro de floresta que respiro e transpiro numa paz profunda, inenarrável prazer. Viajo bastante, mas meu porto seguro é Campo Grande, dela nunca me afastei por longo tempo e quando estou fora, a vontade que sinto é ver de novo os formosos pés de ipês, cruzar a Afonso Pena de fora a fora, tomar tereré, comer sobá, caminhar no horto florestal e dar pipoca às capivaras no lago do amor.
Campo Grande é inspiração para os poetas, mas eu não sei rimar e então tento uma prosa qualquer, algo que esteja diante das minhas posses e que reflitam a paz que sinto ao desnudar a paixão que corre em meu sangue, puro amor por minha querida cidade. Gente, carros, motos, gritos, pressa e alguma alegria estampada no rosto, emolduram a paisagem do centro, enquanto os bairros se aquietam numa paz provinciana, o toque de interior da qual foi criada a atual metrópole campo-grandense. Minha cidade faz o que quer de mim. É quando Bukowski se transforma em Manoel de Barros: De dia meu café, à noite minha cerveja.
Dos defeitos, só nós que nela residimos podemos falar, não aceito reclames de fora, de gente que não sabe que aqui, quando eu era menino, os cavalos pastavam na esquina de casa e a gente caminhava faceiro na mata que existia perto da escola em busca de ata, guavira e pequi. Mente quem diz que nossa gente é fria e não recebe bem quem vem de fora. Talvez sejamos um tanto desconfiados e não nos abrimos num primeiro momento, preferimos antes a cautela que, uma vez rompida, se abre numa calorosa acolhida e então abraçamos os de fora não como andarilhos doentes, mas como filhos cansados e queridos. E contamos nossa história, mal sabem eles que aqui era posto de troca, local por onde passavam os viajantes em busca de ouro, terra e riqueza. Muitos deles por aqui ficaram, homens e mulheres decididos, heróis que pisaram esta terra roxa e dela criaram a cidade morena que tanto amamos; dos trilhos da rede ferroviária que pavimentaram o antigo vilarejo na capital de um estado da federação, sonho dos divisionistas transformado em realidade.
Alguns defeitos finjo que não os vejo, embora saiba que faltam leitos nos hospitais, segurança pública mais efetiva e um caldinho de bom senso a nossos governantes. Outros faço questão de pontuar: Campo Grande tem supermercados demais e cultura de menos. Aqui não se respira o culto à arte, quem tenta, acaba se dando mal. Acabaram com o Operário e o Comercial respira por aparelhos. Destroem sem perdão o passado e o registro que fica para nossos descendentes muitas vezes está apenas na boca de quem viveu a época.
E fica a nítida impressão que cidades são iguais a pessoas, com defeitos e virtudes. Em comparação com outras praças, nossos problemas são pequenos e podem ser resolvidos no futuro. Foquemos então nas virtudes: Pego o carro em busca de inspiração e saio pela Ernesto Geisel, viro a esquerda e acelero a esmo, vou dando conta do crescimento da minha cidade, sinto o vento soprar em meu rosto enquanto vislumbro as ruas largas, a terra plana e um infinito de casas, prédios, pessoas e aquela mistura étnica: paraguaios, japoneses, árabes, mineiros, paulistas, gaúchos, entre outras, convivendo em harmonia.
Volto pra casa, beijo meus filhos e sinto a felicidade invadir meus pensamentos, na certeza que eles irão crescer num lugar que posso chamar de pequeno canto do paraíso. E agora que completa cento e doze anos, eu, que não gosto de alardes, crio na mente um pedestal, nele me aprumo e canto solenemente o parabéns a você, embutido o agradecimento de ser seu filho e no fim emolduro o último pedido: Quando eu morrer, não me enterrem longe daqui. É que meu espírito, resmungão e traquinas, vagará noites adentro até retornar à aldeia de cujo barro foi criado, na ânsia louca de se transformar em raiz, daqui nunca sair, concretizar eternamente este legado maravilhoso de ser campo-grandense.
(André Luiz Alvez, campo-grandense, é formado em Comunicação Social, Publicidade e Propaganda pela Unisa-SP - acido13@gmail.com)
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Postado por: André Luiz Alvez (*), 27 Agosto 2011 às 13:16 - em: Falando Nisso