Dante Filho (*)
Medo do vazio
As características (sociológicas, psicológicas e comportamentais) da atual sociedade de consumo brasileira surgiram com o advento do plano real, em 94. Com a queda vertiginosa da inflação foram incorporadas quase que de imediato ao mercado consumidor nacional cerca de 7 milhões de pessoas, grande maioria assalariadas de baixa renda.
Não havia estrutura produtiva que suportasse o impacto das novas demandas em tempo tão curto, não restando ao governo de então que abrisse canais de importação (ao lado de uma política cambial ortodoxa) para atender a sanha por compras dos brasileiros com acesso restrito a inúmeros bens de consumo durante quase duas décadas.
Nos anos 90 o Brasil começou a sair do ciclo hiperflacionário. O entulho autoritário começou a ser removido. Ao mesmo tempo o País vivia importante alteração em sua base demográfica: famílias menores, rápido envelhecimento populacional, aumento de expectativa de vida.
Simultaneamente, movimentos sociais dos mais variados tornavam mais informados e críticos. Os meios de comunicação diversificavam–se. Redes sociais tornaram-se instrumento de mobilização.
No plano internacional, arredondava-se o processo de globalização, com a aceleração de fluxos de capitais, criando um ambiente econômico de intensa virtualidade financeira com forte componente especulativo.
Países que há anos esforçavam-se com a edição de planos econômicos para domar o processo inflacionário, de repente viram-se capazes (via aumento de produtividade) de promover estabilidade fiscal e empurrar a inflação para baixo. Para o bem e para mal, a influência de organismos financeiros internacionais foi determinante para a execução desse trabalho.
Claro que esse processo foi complexo e muitas vezes involuntário. A história recente nós conhecemos. O Brasil rendeu-se aos ditames do establishment e adotou preceitos do chamado neoliberalismo. Fez um bem sucedido (depois de várias tentativas) programa de combate a inflação e estabilidade econômica. Nem tudo deu certo. Ficaram muitas pontas soltas.
Uma delas foi a questão cambial e os juros estratosféricos. Outra foi o elevado gasto público, mitigado provisoriamente pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Sem contar a permanência de problemas infraestruturais como educação e saúde precárias, renda média incompatível para a formação de um setor expressivo de novos consumidores.
Foi assim que, grosso modo, um partido que se dizia de esquerda chegou ao poder, quando, na verdade, na amplidão do tempo, sabe-se que a transição entre FHC e Lula foi uma apenas trocas de variações de tendências e grupos que transitavam no espectro da social democracia brasileira.
Sem querer estender-me em detalhes sobre o que ocorreu nos últimos anos, o fato é que o PT aprofundou o processo de incorporação de grandes massas à sociedade de consumo. Aquela idéia inicial de se promover programas de distribuição de riquezas para emancipar a sociedade do jugo do capitalismo e das armadilhas neoliberais mostrou-se pueril.
O povo não gosta de política, gosta de comprar. E assim começaram a ampliação dos programas de renda mínima (bolsa família etc), redução parcial da taxa de juros, concessão de empréstimos bancários com longuíssimos prazos de pagamento, com os ventos adicionais e benfazejos do aumento de preços das commodities, câmbio generoso, enfim, adrenalina pura na veia do consumidor. A sensação de bem estar cresceu e gerou um sistema de ilusório de riqueza.
A massa foi às compras. Durante anos, essa felicidade parecia perpétua. Lula subiu ao pódio. Elegeu Dilma, que pegou o governo com conjuntura já em reversão de expectativa.. A idéia era manter o estado de euforia. Só que não era mais possível. Aconjuntura internacional entrara numa fase de refluxo. O Estado já estava contaminado pela corrupção do tum tum tum da balada frenética dos anos Lula. Ninguém queria parar a festa.
Nesse meio tempo, a China pisou no freio. Os Estados Unidos começaram a se recuperar economicamente. Crises pontuais na Europa reduziram a demanda por exportação de matéria prima. O Brasil sobrou.
Foi assim que entramos nesta barafunda. A euforia do consumo mixou. Atualmente, o brasileiro enfrenta uma crise de abstinência por causa do vício adquirido com os anos de loucura. Os juros subiram. O gerente do banco não liga mais oferecendo dinheiro a prestações a perder de vista. Comprar carro, reformar a casa, mergulhar no delírio da linha branca, tudo isso acabou. O momento é de contenção e de emprego precário.
Tudo isso gera medo. Com isso, vem o inconformismo. As ruas estão indicando os sinais. Os tempos que vem pela frente não serão fáceis. O político que não entender isso vai rodar.
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: Dante Filho (*), 21 Abril 2015 às 10:15 - em: Falando Nisso