Marighella e Locke discordam de tudo, menos do direito à insurgência Alan Kaká (*)

Marighella e Locke discordam de tudo, menos do direito à insurgência

"Se um governo subverte os fins para os quais foi criado e se ofende a lei natural, então pode ser deposto", diz John Locke, teórico do Liberalismo (não só econômico, mas como ideologia transversal). Essa citação está no seu Segundo Tratado, página 222.
 
O autor diz ainda que, quando são cometidos grandes erros na governação de uma comunidade, só a rebelião mantém uma promessa de restauração dos direitos fundamentais (Segundo Tratado, § 225).
 
Convido, então, à leitura do MANUAL DO GUERRILHEIRO URBANO escrito por Marighella. Nada mais é que realmente um manual com práticas para a insurreição que Locke defendia.
 
As finalidades podem parecer muito divergentes, uma vez que se trata de um defensor irredutível da propriedade privada e de outro que é radicalmente contra a mesma por princípio.
 
Porém, essa divergência de finalidade não desabona a convergência do ideal de que o ser humano precisa nascer e viver com garantias básicas de seus direitos e exigência de seus deveres como cidadão.
 
Acredito, seriamente, que os pensadores liberais, os libertários (anarquistas) e os socialistas (ortodoxos etapistas), por terem sido influenciados pelos ideais da Revolução Francesa de Robespierre - que matou muuuita gente - têm entre si mais congruências que divergências. A principal divergência é em relação à propriedade privada x propriedade coletiva (ou comum), seus modos de produção decorrentes e a distribuição (aplicação) do excedente (lucro), uma vez que nenhuma das teorias nega a existência e a necessidade de produção excedente e do mercado.
 
Acontece que há, hoje, correntes no espectro político da direita que reclamam a defesa de um ultraliberalismo econômico combinado com um conservadorismo avesso à base do pensamento ideológico que fundamenta o próprio liberalismo: antes do direito à propriedade e à livre iniciativa, há de se defender o direito dos indivíduos de viverem suas vidas livremente.
 
O que Marighella defendia era o fim de um governo que tomou o poder de forma ilegal e que suspendeu cláusulas pétreas da Constituição. Locke defenderia o mesmo.
 
O economista contemporâneo Ha-Joon Chang, autor do livro "Chutando A Escada", defende que livre mercado, protecionismo econômico, desregulação econômica ou capitalismo de estado são táticas que podem ser usadas de forma isolada ou combinadamente para o desenvolvimento econômico de uma nação. A propriedade privada e a coletiva podem coexistir, desde que direitos básicos individuais sejam resguardados e que a finalidade seja uma sociedade que dê igualdade de condições iniciais e gere oportunidades para todos, o que é basicamente o pensamento Liberal.
 
Chang cita um general chinês: "não importa se o gato é branco ou preto, desde que ele cace ratos".
 
Ou seja, um estado não precisa ser mínimo sempre, nem demasiadamente intervencionista na economia. Ele pode ser as duas coisas, a depender da necessidade de desenvolvimento de áreas específicas ou de desregulação de mercados fortalecidos.
 
Não pretendo e não tenho a ilusão de que você deixe de crer que Marighella foi um fora da lei, porque realmente o foi. Apenas lido com a possibilidade de que a insurreição contra regimes que violam direitos é uma forma de ilegalidade necessária ao avanço das sociedades em direção a regimes mais igualitários.
 
(*Alan de Farias Brito, o Kaká, é jornalista, especialista em políticas públicas e sócio da empresa Crie Valor Estratégias Digitais, em Campo Grande)


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Postado por: Alan Kaká (*), 20 Fevereiro 2019 às 13:20 - em: Falando Nisso


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