Fernando Larangeira (*)
Malandragem Honesta
O brasileiro do século XXI vive uma crise em busca da conciliação entre aquilo que já está enraizado em sua cultura e aquilo que pode receber o nome de “processo civilizatório”.
Explico: há uma tensão entre dois vetores, aparentemente, opostos: por um lado, há aspirações que as leis sejam aplicadas de maneira impessoal e de forma inflexível; por outro lado, há aquilo que os sociólogos chamam de característica típica do brasileiro: o “jeitinho” – modo de proceder do malandro profissional.
Fica, portanto, o questionamento: como realizar os anseios de justiça, por meio da aplicação reta das leis e, ao mesmo tempo, continuar sendo brasileiro, dando “jeitinho” nas coisas sempre que possível, tirando vantagem em todas as situações, ganhando dinheiro sem muito esforço.
Em outras palavras, o brasileiro continuaria sendo ele mesmo, apesar da aplicação das leis a todos os setores da sociedade de forma impessoal?
Devido a reportagem veiculada pela Rede Globo, no Fantástico, no último domingo, dia 17 de maio, dando conta que o atual prefeito estaria envolvido em esquema de agiotagem, para financiar a companha eleitoral da chapa em que era integrante ou, como acreditam alguns, para articular um “golpe político” contra o prefeito cassado, o campo - grandense não se verá livre dessa crise existencial, que tem sentido na condição de brasileiro e que agora vai sentir de uma forma mais próxima, de maneira “regional”, sabendo que a doença é um mau que não atinge somente o organismo de terceiros, mas pode alcançar seu próprio organismo.
Corruptos, corruptores são os vilões. As autoridades judiciárias se passam por heróis. Apesar disso, é necessário que se veja a realidade sem maniqueísmo, levando em consideração que nessa história toda não há mocinho ou bandidos, mas somente brasileiros, pessoas de carne e osso, passíveis de vaidades que podem ser concretizadas, por exemplo, tanto meio de uma aparição midiática, dando ensejo a “05 minutos de fama”, quanto por meio da pompa de ver sua conta bancária superior a maioria da população.
O Brasil exige que o brasileiro do século XXI seja um “malandro honesto”. Aquele que busca somente a honestidade corre um sério risco de ser visto como uma aberração pelos seus pares, um “dom quixote”, não raro, gerando um atitude de desconfiança pelos “brasileiros criados”, indagando o que haveria por trás daquele brasileiro honesto e condenando-o ao exílio social ou por ser louco, já que é dogmático que no Brasil não existe sujeito honesto ou por ser um malandro ultra- sofisticado, que faz papel de honesto para tirar vantagem.
Por outro lado, não se tolera mais a figura do malandro profissional, que com sua ginga recebe um vultoso provento, sem o esforço do trabalho pesado; ganha uma licitação, não por competência técnica, mas porque soube como tocar no bolso ou no emocional do licitante, seja por agrados pessoais, seja por afinidade de parentescos ou vínculos de amizade.
O brasileiro necessita primeiro sofrer, para, depois, superar essa crise de identidade, encontrando um meio termo entre a malandragem e a probidade quixotesca; continuar sendo malandro, porque essa é a sua raiz, sem que isso venha a gerar prejuízos para terceiros ou para toda uma comunidade – esse é o desafio moral do momento: ser um malandro honesto.
(*Fernando de Azevedo Larangeira é advogado especialista em Direito Público, em Campo Grande, e conselheiro da Associação dos Novos Advogados de Mato Grosso do Sul Ana-MS)
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Postado por: Fernando Larangeira (*), 19 Maio 2015 às 11:20 - em: Falando Nisso