Heitor Freire (*)
Levanta, sacode a poeira...
A vida, de cada um de nós, algumas vezes é uma caixa de surpresas, pois as situações que se sucedem – a cuja causa nós mesmos demos motivo com nossos atos, nem sempre conscientes, mas de nossa responsabilidade –, com acontecimentos alegres e também sofridos, nos proporcionam a oportunidade de um aprendizado constante.
Principalmente quando por irresponsabilidade ou inconsequência, cometemos atos que geram vicissitudes, prejuízos, em que, por defesa própria, atribuímos a outros, às circunstâncias, etc. a causa dessas situações. O que normalmente acontece é queremos livrar nossa cara. Mas a fuga, não resolve o problema, pelo contrário, o acentua.
A atitude que se impõe é a de assumir a culpa e tocar o barco. A vida é infinita e nos proporciona n possibilidades de reparar o erro.
Em 1960, Paulo Vanzolini (1924-2013), compositor e zoólogo, escreveu a canção “Volta por Cima”, cujos versos: “Reconhece a queda/ e não desanima. / Levanta, sacode a poeira/ e dá a volta por cima” ensinou àquele que caiu a usar o que depois se chamou de resiliência, deixando para trás o motivo da queda e prosseguindo na caminhada. A primeira gravação foi feita pelo cantor Noite Ilustrada.
Desde que ouvi pela primeira vez essa canção, a sua lição me serviu sempre para que, ante as situações difíceis porque passei, continuar a caminhada, transformando-se num verdadeiro hino permanente. Sempre em frente, com amor e alegria.
Agora, lendo no site judaico pt.Chabad.org, em artigo escrito pelo Rabino Jonathan Sacks, tomei conhecimento dos últimos dias de Moisés, que, por ter duvidado de Deus, no episódio da fonte de Meribá, foi impedido de entrar na Terra Prometida.
Ele que, aos 80 anos, suscitado por Deus, assumiu o compromisso de conduzir o povo judeu para a Terra Prometida, numa caminhada pelo deserto, por 40 anos, com todas as dificuldades encontradas no caminho, o fez com muita coragem, dedicação, determinação e competência, se viu frustrado ao chegar, já com 120 anos, e não poder desfrutar do seu triunfo.
E o que fez Moisés então. Se revoltou? Se lamentou? Bradou contra Deus? Não. Com toda consciência, “reconheceu a queda, não desanimou, levantou-se, sacudiu a poeira e deu a volta por cima”.
Moisés, dedicou o último período da sua encarnação para ajudar o povo judeu a mudar o curso da história judaica.
Diz o Rabino em seu artigo:
“Durante um mês, Moshe convocou o povo e se dirigiu a eles. Suas palavras e orientações formam a essência e o conteúdo do livro Devarim, Deuteronômio. Juntos, eles constituem a visão mais abrangente e profunda do que é ser um povo santo, dedicado a D'us, construindo uma sociedade que serviria de modelo para a humanidade em como combinar liberdade e ordem, justiça e compaixão, dignidade individual e responsabilidade coletiva.
Muito além do que Moshe falou no último mês de sua vida, é o que Moshe fez. Ele mudou de carreira. Ele mudou seu relacionamento com as pessoas. Não mais Moshe, o libertador, o legislador, o operador de milagres, o intermediário entre os israelitas e D'us. Ele se tornou a figura conhecida na memória judaica: Moshe Rabeinu, ‘Moshe, nosso professor’
Nesse momento decisivo de sua vida, Moshe entendeu que, embora não estivesse fisicamente com o povo quando eles entrassem na Terra Prometida, ele ainda poderia estar com eles intelectual e emocionalmente se lhes fornecesse os ensinamentos para levarem consigo para o futuro. Moshe tornou-se o pioneiro da talvez maior contribuição do judaísmo ao conceito de liderança: a ideia do professor como herói.
Não havia nada semelhante com essa preocupação com a educação universal em outras partes do mundo antigo. Os judeus se tornaram o povo cujos heróis eram professores, cujas cidadelas eram escolas e cuja paixão era o estudo e a vida intelectual.
A transformação do fim da vida de Moshe é uma das mais inspiradoras de toda a história religiosa. Nesse único ato, ele libertou sua carreira da tragédia. Ele se tornou um líder não apenas para o seu tempo, mas para todos os tempos. Ele pode ter sentido que não havia mudado seu povo durante sua vida, mas em toda a perspectiva da história, ele os mudou mais do que qualquer líder já transformou qualquer povo, no povo do livro e na nação que não construiu zigurates ou pirâmides, mas escolas e casas de estudo”.
Além de reconhecer a queda, não desanimar, sacudir a poeira e dar a volta por cima, Moisés também seguiu o que Geraldo Vandré (12/09/35 -) advogado e compositor, cantou com muita garra, em sua canção “Prá não dizer que não falei de flores” que se classificou em segundo lugar no Festival da Canção, em 1968, cujo refrão dizia: “Vem, vamos embora/ que esperar não é saber/ quem sabe faz a hora/ não espera acontecer”.
Moisés fez e aconteceu. O exemplo dele é o mais significativo que eu conheço de superação, determinação e coragem.
(*Heitor Rodrigues Freire – corretor de imóveis e advogado)
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Postado por: Heitor Freire (*), 05 Agosto 2023 às 08:00 - em: Falando Nisso