Legalizando a ilegalidade? Fábio Trad (*)

Legalizando a ilegalidade?

 

O Projeto de Lei 113/2003, em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara Federal prevê o repatriamento de recursos depositados ilegalmente no exterior mediante o pagamento de uma taxa de 5%.
 
Trata-se de um projeto dotado de imenso potencial de dano ao tecido social, visto a garantia de impunidade que dele se acerca. 
 
De acordo com o projeto, o optante pelo reingresso de recursos depositados no exterior não seria obrigado a declarar a sua origem, assim como teria o seu sigilo resguardado pela Receita Federal.
 
Além disso, pessoas que promovessem o reingresso de recursos depositados no exterior gozariam de anistia fiscal e não seriam alvo de punibilidade pelos crimes relacionados aos valores repatriados.
 
No Brasil, a sensação de impunidade está enraizada na sociedade civil e a descrença na legitimidade do direito penal é quase que absoluta. Como, então, discutir, votar e, pior, aprovar um projeto de lei que, a pretexto de conferir ganhos econômicos ao País, rasga a legislação penal, fazendo tábula rasa de todos os seus princípios e valores mais altos? Como aprovar esta matéria sem ferir a questão ética, que deve estar na base da elaboração legislativa?
 
A aprovação deste projeto serviria como forte estímulo, no futuro, ao cometimento de crimes relacionados ao envio irregular de recursos financeiros para o exterior. A finalidade da anistia – porque é disso que se trata – é o esquecimento do fato ou dos fatos criminosos que o poder público teve dificuldade de punir ou achou prudente não punir. Juridicamente, os fatos deixam de existir; o Parlamento passa uma esponja sobre eles. Só a história os recolhe. E, sem dúvida, a História recolherá também o fato da Câmara Federal ter aprovado proposições que passam uma esponja sobre os crimes cometidos quando do envio de recursos para o exterior, ao argumento de que o repatriamento
trará vantagens para a economia do País.
 
O deputado federal Anthony Garotinho (PR–RJ) afirmou que o projeto permite a criminosos e organizações criminosas procederem à lavagem dos recursos ilicitamente adquiridos. Disse o deputado fluminense: “Se os recursos repatriados forem de procedência lícita, não há motivos para que se conceda o privilégio do segredo quanto a sua proveniência, como forma de incentivar o seu repatriamento. Muitos recursos enviados para o exterior têm como objetivo ocultar a prática de atividade criminosa, diante do que essa dispensa de explicação quanto à origem dos valores trazidos de volta ao País apenas serve para legalizar atividades criminosas. Quem adquire recursos legalmente não tem motivos para ocultar a fonte desses valores. Mais grave, ainda, é que o optante pela repatriação terá sua identidade ocultada”.
 
Tem toda a razão. Como parlamentar, é minha obrigação ficar atento a projetos como este, danosos ao erário público, permissionários da legalização da ilegalidade.
 
Ora, se o trabalhador honesto sofre com imensa carga de tributos, tendo que pagar quase 1/3 de seus rendimentos, por que o dinheiro suspeito deveria ser tributado apenas em 6 %? Seria um presente estatal a quem viola a lei em detrimento de quem a obedece.
 
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy, vem alertando a sociedade para os prejuízos morais de projetos desta natureza que contempla, com anistia tributária e penal, contribuintes que agiram à margem da lei.
 
Há formas judiciais de recuperar esse dinheiro dentro dos princípios legais e constitucionais e a anistia, nesse caso, funcionaria como um estímulo ao crime de evasão de divisas.
 
Concluindo, o Projeto de Lei nº 113/03 merece uma análise muito rigorosa acerca da sua constitucionalidade e juridicidade.
 
(*Fábio Ricardo Trad, advogado de Campo Grande e ex-presidente da OAB-MS, é deputado federal pelo PMDB-MS)


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Postado por: Fábio Trad (*), 25 Novembro 2011 às 01:30 - em: Falando Nisso


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