Marco Eusébio
Impeachment
Reivindicar o impeachment de Dilma não configura desejo golpista. Isso é papo furado. A rigor, o verdadeiro “golpe” ocorreu durante as eleições passadas com a deliberada estratégia que resultou num dos maiores estelionatos eleitorais que o País já viu, distorcendo o discernimento de parcela da sociedade por meio de instrumentos de extraordinária ilicitude, gerando um resultado que não expressava a verdadeira vontade do eleitorado brasileiro.
É correto que Dilma venceu (por pouco, mas venceu), embora os números extraídos das urnas levem à conclusão de que foi uma vitória frágil: 62% do eleitorado (entre votos na oposição, nulos, brancos e abstenções) contrapuseram-se aos 38% obtidos pela candidata petista. Convenhamos, com esses índices não dava para brincar em serviço, desdizendo rapidamente tudo o que havia dito em campanha tão acirrada. Se avaliarmos as últimas pesquisas do Datafolha é possível estimar que Dilma possa ter perdido mais da metade de seu potencial de escolha neste primeiro mês de governo. Trata-se de uma situação grave num momento especialmente complicado.
Muitos dirão que o processo democrático é assim mesmo, imperfeito, que todo político mente e engana. Que Dilma jogou o jogo jogado. Que as oposições também colocaram em campo seu arsenal de maldades. Sendo assim, ela ganhou o pleito “fazendo o que todos fazem”. Concordo em parte.
A realidade das urnas mostrou um País extremamente dividido, acima dos limites toleráveis para que pudessem ser mantidos os níveis “normais” de convivência social, sem ranços regionais ou diferenças irreparáveis de ordem conceitual. Dilma, Lula, Franklin Martins, João Santana e toda a maquinaria petista fizeram uma campanha pensando que a sociedade brasileira era aquela dos anos 90. Não era. Nossa estrutura sócio-cultural funciona agora em torno de outro eixo, de outra lógica, com outra vontade. O mundo evoluiu.
Essa é a questão do momento. Na base da campanha de Dilma ela assinou um contrato social garantindo que manteria a economia nos níveis de razoabilidade vigentes. Ou seja, que não promoveria nenhum cavalo de pau nos programas sociais, que garantiria a inflação baixa, que não promoveria, enfim, “medidas impopulares”. Mais: quem faria o contrário seriam seus adversários, neoliberais insensíveis, gente que não gosta do povo. Hã, hã, hã...
Ok. Assim que tomou posse, Dilma desapareceu. Nomeou economistas “ortodoxos” que anunciaram um pacote de arrochos, ao mesmo tempo em que os juros e a energia elétrica subiam, a crise da água ganhava dimensões apocalípticas, a inflação disparava, o País apresentava déficits inéditos com “recessão técnica”, e, cereja do bolo, o escândalo da Petrobras terminava por coroar a idéia de fracasso geral do governo petista.
Não há sociedade que suporte ser lograda de maneira tão acintosa como essa. Mesmo que houvesse um esforço de comunicação do Governo (o que não aconteceu), explicando que as decisões momentâneas seriam fundamentais para a reversão das expectativas de médio prazo, o gosto amargo da enganação veio à boca espontaneamente com a palavra “impeachment”.
Essa é a vida. É um direito legítimo de qualquer cidadão manifestar expressamente o que pensa do governante de plantão. Não se trata de tentar passar uma rasteira nas regras democráticas. Gritar pelo impeachment é simplesmente colocar na roda algo que está inscrito na Constituição e nas leis. Tecnicamente tudo é possível, mas tirar um mandatário do poder é uma decisão política. O Congresso é o dono da bola e o judiciário arbitra os lances da partida.
Não é fácil que isso aconteça. É um processo repleto de nuances. Os políticos são conservadores nestes casos. Com raras exceções, sempre pedem moderação, desacreditam as hipóteses do impedimento presidencial, ficam aprisionados pelo centro de atração do poder. Dependendo dos humores e da mobilização social, vão mudando de posição.
Já a militância dos partidos e dos chamados movimentos sociais fomentam o surgimento de tendências, criando artifícios lingüísticos com as tradicionais rotulações “direita”, “esquerda”. “conservadores”, “progressistas”, transformando esse campo de batalha meramente retórico num espaço de posições ideológicas. O País vai se agitar. O futuro é nebuloso: o que vem pela frente, depois do carnaval, será o farfalhar das fantasias com o som retumbante da dura realidade.
(*Dante Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: Marco Eusébio, 16 Fevereiro 2015 às 14:15 - em: Falando Nisso