Heranças malditas Dante Filho (*)

Heranças malditas

A coisa mais simplória do mundo na gestão pública é acusar o antecessor de ter deixado “uma herança maldita”. O problema é que o antecessor um dia também fez isso: acusou seu antecessor, que, por sua vez, acusou seu antecessor (e assim por diante) de ter recebido uma maçaroca administrativa em estado caótico. Todos tem culpa no cartório. O inferno são os outros.
 
Muitos acham que até a presidente Dilma devia reclamar da gestão que deixou para si mesma. Tempos atrás, houve até certa insistência para que ela reconhecesse a “herança” e pedisse perdão pelos erros. Mas aí ela teria que se lembrar de Lula (o fator originário), o que a faria entrar num emaranhado de contradições que, no final, poderiam arrastar graúdos do petismo para a cadeia. 
 
Pelo bem ou pelo mal, apontar o dedo para o antecessor é o método fácil, usando mais por incompetência do que por convicção. O difícil é explicar a herança com total transparência e propor saídas efetivas para ela. A desculpa, reconheço, cola por um tempo. O problema é que o tempo passa e dissipa a memória coletiva. A rotina administrativa é autofágica. Quando o governante acorda, um ano já se passou e não aconteceu nada. Ele apenas aprofundou os erros do passado, arrastando velhos problemas com novas indecisões.
 
A bola da vez aqui em Mato Grosso do Sul é o prefeito Gilmar Antunes Olarte. Ontem ele ganhou espaço na grande mídia por meio de uma denúncia que ele jura ser infundada. Mentira ou verdade, o fato é que se formou há algum tempo um consenso sobre o personagem. Tudo começou com a escolha de uma equipe sob forte influência fisiológica. Depois, saindo da esfera política, o homem mergulhou numa barafunda policial misteriosa, envolvido em denúncias de truques financeiros nada ortodoxos, com suspiros, aqui e acolá, de segredinhos de mafuás de alcova. 
 
No meio disso, o tempo passou e ele conseguiu por uns meses respirar. Sentindo-se seguro no cargo, Olarte começou enfim a “administrar” o município, esquecendo-se do passivo emocional deixado para trás com a cassação de Alcides Bernal. 
 
Bem, pelo visto, o forte dele não é gestão pública. Pouco a pouco foi atravessando os pés pelas mãos, até chegar o momento em que se descobriu que as contas não fechavam e que em torno de si reinava o caos. Criaram recentemente a CPI do Final dos Tempos e Olarte resolveu brincar com bambolê. Não vai dar certo. 
 
A única pergunta que faço, diante de tudo que irá ocorrer pelos próximos dias, é a seguinte: qual foi o fator determinante que fez com que o ex-prefeito Alcides Jesus Peralta Bernal escolhesse Olarte para ser seu vice? A questão não é trivial. Essa história ainda precisa ser contada. A convivência entre os dois era ajustada. Ambos compartilhavam os mesmos propósitos – tanto que, por vaidade e intriga, colidiram logo após as eleições. 
 
Bernal e Olarte são almas gêmeas, nutrindo as mesmas ambições, o mesmo arrivismo, à socranca (vejam a palavra no dicionário, por favor) com seus eleitores, dissimulando más intenções por meio de orações pela intervenção divina para atender demandas amoralmente concretas aqui na terra. Todo mundo conhece o barro com o qual se amoldaram estes homens.
 
Digo sempre: a origem dessa nefasta fase histórica pela qual está passando Campo Grande tem a responsabilidade direta de todos aqueles que, política e eleitoralmente, formaram um consenso em torno de Bernal para colocá-lo no pódio da mais importante cidade sul-mato-grossense. Não foram poucos os que alertaram (inclusive esse escriba que vos fala) que o erro cometido custaria caro para a sociedade. 
 
Derrubado Bernal, veio seu sucessor. Mais esperto, com cara de vendedor de armarinhos, com as lições de malandragem aprendida, Olarte não era melhor do que Bernal. Ele tentou evitar as armadilhas que vitimaram seu antecessor para que, com isso, pudesse sonhar com reeleição. Descobriu o milagre do salário-dízimo e começou a contratar em escala industrial. Agora, com reivindicações e greves do funcionalismo, descobriu que não tem dinheiro para todo mundo.
 
Ou seja: a conta chegou. Seu antecessor, inclusive, quer saber qual foi o preço da traição. Olarte vive seu inferno na terra. E a cidade viverá esse momento em sua companhia. Lamentável.
 
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
 


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Postado por: Dante Filho (*), 18 Maio 2015 às 12:30 - em: Falando Nisso


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