Ângela Maria Costa (*)
Grito silencioso
No início deste mês, uma notícia nos colocou, de novo, em estado de alerta. Um menino de apenas sete anos foi encontrado com sinais visíveis de violência provocados por adultos que o mantinham no quintal da casa (casinha de cachorro). Abandonado a sua própria sorte e na tentativa de dar um basta a tanto sofrimento, essa criança fugiu para a rua, levando uma mochila com poucas roupas. Um casaco com capuz cobria sua cabeça, talvez sentindo vergonha (deles, ou por eles) em expor tantas marcas!
Nenhum grito, nenhuma lágrima, apenas seu corpinho frágil, marcado por queimaduras, unhas arrancadas, e machucados nos braços e nas pernas gritavam os maus tratos e a covardia que havia sofrido. Um grito silencioso que ecoou não nos nossos ouvidos, mas bem no fundo nos nossos corações! Levou-nos a refletir: o que estamos deixando de ver e de fazer? Como que a escola (todos os profissionais) não foi capaz de identificar a sua dor? Onde estavam os vizinhos e por que se calaram? Esse fato revela a FALÊNCIA de todas as instituições sociais.
Para quem não sabe o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA é considerado um dos melhores instrumentos legais do mundo, de proteção à criança e ao adolescente. Nele se reconhece que embora a família seja a principal responsável, não afasta o Estado e a sociedade de seus deveres com a infância. A criança é o maior patrimônio de um país. Dependendo do cuidado que despende a sua infância é possível medir o seu avanço como nação. Infelizmente, no Brasil, uma pesquisa da UNICEF constatou que cerca de 70% das crianças e adolescentes sofrem maus tratos físicos dentro do seu núcleo familiar, e que a maior percentagem (pasmem) se encontra entre crianças menores de três anos, e até em bebês. Fomos capazes de elaborar a melhor legislação, mas, vinte e três anos depois, ainda não fomos capazes de executá-la.
Apesar de Campo Grande ter uma lei aprovada pela Câmara de Vereadores (Lei N. 4.503, de 03 de agosto de 2007) que indica a criação de conselhos tutelares, na proporção de um para cada 200 mil habitantes, temos apenas três conselhos tutelares (um instalado recentemente) e uma população de mais de 800 mil habitantes! Os que existem funcionam em precárias condições.
Os conselhos tutelares Norte e Sul estão localizados no mesmo prédio. Apesar de a eleição ter sufrágio universal (todos nós podemos votar) nunca foram divulgadas, de forma eficiente, as datas de inscrições e os nomes dos candidatos a conselheiros.
Diante disso, respaldados pela legislação que nos orienta e que indica o município como o âmbito de discussão e resolução desses problemas, apelo às autoridades constituídas e as que nos representam que se juntem a nós nessa luta:
1) criação urgente de mais um Conselho Tutelar;
2) fortalecimento dos três que já existem;
3) Instalação do Conselho Tutelar Norte e do Conselho Tutelar Sul em suas devidas regiões;
4) instituição de uma campanha de conscientização e de divulgação a toda sociedade, principalmente nas escolas, igrejas e comércio (sacolas de supermercados e padarias), dos números dos telefones dos conselheiros tutelares, que deveriam já estar disponibilizados por 24 horas.
O grito silencioso de pedido de socorro desse garotinho ainda ecoa dentro de nosso coração, sacode-nos e tira-nos do imobilismo. Tomara que essa dor solitária se transforme em luz e força que nos levarão a encontrar a solução para tão graves problemas – violência, negligência e abandono da criança cidadã brasileira.
Começando por aqui. Basta de covardia!
(*Ângela Maria Costa, de Campo Grande, é professora doutora da UFMS e coorrdenadora da Aliança pela Infância)
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Postado por: Ângela Maria Costa (*), 18 Fevereiro 2013 às 17:50 - em: Falando Nisso