
Greve, crise e poder
As greves que ora ocorrem nas esferas municipal, estadual e federal podem ser inscritas no plano derivado das grandes manifestações que vem ocorrendo no Brasil desde as jornadas de junho de 2013. Por mais que cada governante se veja atingido diretamente pelas paralisações nas suas respectivas áreas de poder, elas precisam ser compreendidas como fenômenos estruturais de reação aos paradoxos político e econômico em que vivemos.
Neste aspecto, as greves são respostas reativas às várias crises que ocorrem simultaneamente no País. Certamente, muitos imaginam que o motor desse processo é o esboroamento da economia, reflexo direto da contração de renda e consumo que estamos vivendo. Daí, as classes trabalhadoras melhores protegidas institucionalmente – principalmente as que atuam nos serviços públicos – paralisam suas atividades como forma de pressão para equilibrar ganhos e manter o padrão de vida.
Servidores públicos como médicos e professores, por exemplo, tem imenso poder para bagunçar qualquer governabilidade, sobretudo se imaginarmos que suas ações provocam reações em cadeia que perduram no tempo, independentemente da permanência ou não do movimento grevista.
Se essas categorias não conseguem dobrar os governos e voltam a trabalhar “com o rabo entre as pernas”, apenas acumulam ressentimento para dar o troco na próxima rodada. Se os Governos cedem por desespero, a história mostra que tal fato estimula outras categorias a ver eficácia no método de pressão, e correm o risco de mergulhar o Estado numa crise financeira sem precedentes.
Há estudos empíricos cruzando dados sobre como em médio e longo prazos a paralisia de setores como saúde e educação atingem a macroestrutura funcional de uma cidade, de um estado e do País, reverberando negatividade nos índices de desenvolvimento humano, na economia e na permanência do processo de desigualdade.
Essas greves atingem preferencialmente pobres e remediados. As classes médias altas e os ricos geralmente utilizam serviços privados, o que, ao longo do tempo, lhes garante maior acumulação de capital social em decorrência da permanência equilibrada de suas demandas na linha do tempo.
Para a imensa maioria, movimento grevista em setores importantes do dia a dia só aumenta o estoque de desgraças presente e futura. A rigor, greve na iniciativa privada é um problema exclusivo do empresário; no setor público é uma questão da sociedade, que envolve a discussão sobre até que ponto ela está disposta a ficar atirando em seu próprio pé.
As greves atuais de médicos e professores que estamos presenciando são justas ou não? Depende do lado que se está. As corporações tem argumentos “corretos” na ponta da língua. Suas lideranças demonstram que os índices salariais e benefícios reivindicados são essenciais para a melhoria dos serviços que prestam à população. Mais: que o Estado tem capacidade orçamentária para bancar o jogo para o bem de todos. Para muitos, basta que se reduzam mordomias, contratos superfaturados e pessoal excessivo proveniente de pedidos políticos que, no fim, sobrará dinheiro para atender a maioria das reivindicações.
Governos tem outra visão. Seus compromissos amplos e extremamente capilarizados o transformam numa espécie de árbitro pragmático de recursos públicos. Um governante responsável deve gerir a administração para manter o melhor equilíbrio fiscal entre suas receitas e despesas. Neste aspecto, há um cipoal de leis amarrando o orçamento, com transferências constitucionais obrigatórias, verbas carimbadas, pagamento vinculado de dívidas, Lei de Responsabilidade Fiscal, normas de controle etc., que torna “complicado” atender setores sem observar questões isonômicas. Enfim: numa democracia nenhum governante tem o poder de ligar a máquina de imprimir dinheiro e fazer o que lhe der na telha.
São pontos de vistas que, na verdade, se anulam num debate quimérico e bizantino no meio da rua. Daí que nasce o conceito – correto em vários aspectos – de que greves de professores e médicos do setor público tem forte componente político, muitas vezes com aproveitamento oportunista de partidos que orbitam as entidades de classe que organizam esses movimentos de massa.
É no meio desse burusso que nasce a greve como fenômeno de disputa de poder. No campo de batalha luta-se pela conquista da opinião pública. Mas a história tem mostrado que a verdadeira guerra é vencida nos bastidores por negociadores habilidosos. Não existindo isso, a tendência é piorar. A crise econômica que vem aí pela frente fará aflorar instintos primitivos jamais vistos. (“Disse, e salvei a minha alma”, escreveu Marx na Crítica ao Programa de Ghotha).
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: Dante Filho (*), 01 Junho 2015 às 14:30 - em: Falando Nisso