Dante Filho (*)
FHC e Lula
Lula afunda. FHC flutua. Lula vai dormir todos os dias com medo de que, na manhã seguinte, a PF esteja batendo à sua porta. FHC vai para a cama preocupado com a agenda de entrevistas, palestras e noites de autógrafos que terá que cumprir no decorrer da semana.
Lula mergulha num mar revolto de desespero e dor. FHC não cabe em si dentro de seu imenso ego. Lula diz que vai sobreviver às intempéries. FHC afirma que começa a preparar sua despedida.
Lula não pode andar na rua livremente. Todas as suas atividades públicas são cercadas de cuidados para que ele não passe pelo constrangimento de ser agredido moralmente.
Lula completou 70 anos na semana passada e sua vida virou um inferno depois da eleição de Dilma e com os desdobramentos da operação lava-jato. Não há um único dia que seu nome não seja manchete, ligando-o a um escândalo qualquer. A grande aposta que hoje se faz no País é quando ele será preso.
FHC acaba de lançar o primeiro “Diários da Presidência”, uma série contendo 4 volumes de mil páginas cada um sobre seus anos de presidência. O tamanho da obra assusta. Mas quem começa a ler não quer mais parar. É viciante. A cada página vamos compreendendo o significado real de ser presidente de um País como o Brasil.
Pior: passamos a conhecer com clareza inaudita como age nossa classe política, com suas mumunhas, intrigas e chantagens. De modo geral, o livro nos faz perder as esperanças de que possamos ser diferentes nos próximos séculos.
A cada confissão de FHC ficamos incomodados sobre como podemos permitir que personagens primitivos possam ter dominado a cena ao longo de nossa história, fazendo do Estado o lugar de fastio e facilidades para o enriquecimento sem esforço. Esse é o Brasil.
No fundo, FHC explica Lula. O ex-metalúrgico chegou à presidência e encontrou o melhor lugar do mundo para deitar e rolar. Fico imaginando o impacto mental ao qual Lula foi submetido quando encontrou um lugar onde podia exercer quase que de maneira despótica seu reinado. Deu no que deu.
FHC deixou a presidência em janeiro de 2003. Sua popularidade raspava o chão. Foi acusado sistematicamente de ter deixado uma “herança maldita”. Durante duas campanhas presidenciais seu nome foi escondido. Transformou-se em lixo tóxico da política. À simples menção de seu nome o PT se sentia vitaminado em explorar as mazelas que sua lembrança causava.
O “neo-liberalismo” fernandino tornou-se munição poderosa contra aqueles que defendiam medidas racionais na gestão pública. O populismo, em poucos anos, cometeu uma grande proeza: FHC virou vitupério na boca do povo. O grande inimigo de Lula era um cadáver insepulto destinado a transitar pelos salões da intelectualidade, pontificando sobre assuntos de pouco interesse.
Lula deixou o governo com a popularidade no auge. Ganhou aura de herói da pátria, do homem que redimiu as massas de sua humilhação secular, criando mecanismos de crédito para aumentar o consumo e abrindo os dutos do BNDES para subsidiar empresas que foram chamadas campeãs nacionais. Lula abriu suas asas sobre o mundo, deixando claro para todos que o céu era seu limite. Tudo lorota.
Claro que existem mil variantes para explicar seu êxito momentâneo. Mas via-se com clareza que se tratava de espuma. Mas vai falar o quê num momento de euforia, quando a festa está pegando fogo e todo mundo só quer sambar?
A história cristalizou-se registrando assim o sucesso de um e o fracasso de outro. O intelectual que não deu certo – apesar dos avanços estruturantes que promoveu - contra o retirante nordestino que viu, viveu e conquistou.
Só que a vida efêmera. Os homens e suas obras devem ser avaliadas na passagem do tempo. O processo de mudança não assegura o fracasso nem o sucesso. O legado é assunto para futuras gerações. Por isso, tento sempre imaginar como será que a sociedade dos próximos cem anos avaliará Lula e FHC?
Não sabemos. Ainda estamos vivendo uma história que não terminou. FHC tem 84 anos. Hoje vive dias de glória. Está deixando uma obra vistosa e detalhada, contando coisas do arco da velha. Certamente, provocará ódios e rancores. Para sua sorte, não viverá para ver os desdobramentos de todo esse processo.
Lula talvez ainda tenha uma estrada longa a seguir. Seu momento é tenebroso. Ele colhe de cambulhada todos os erros de seu governo, de seu partido e de seus colaboradores. Seus amigos, familiares e assessores correm o risco de enfrentar o carcereiro de Curitiba. O poste que elegeu dá sinais de que está prestes a abandoná-lo para salvar sua pele. Por mais paradoxal que pareça, Lula só está enxergando uma unica saída para sua vida: ser candidato em 2018. O Brasil é surreal.
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: Dante Filho (*), 03 Novembro 2015 às 11:20 - em: Falando Nisso