Ãtica? Só durante as eleições Fernando Larangeira (*)

Ética? Só durante as eleições

Ética e moral são palavras sempre usadas, principalmente quando se está diante de um momento político, seja ele da politica partidária ou da política de classe, sendo a discussão abandonada quantos os holofotes se apagam. Mas, afinal de contas o que é ética? Curioso é saber que autores como Nelson Rodrigues e Dostoiéviski são tachados como moralistas, sendo que eles jamais pregaram condutas rigorosas de comportamento, sendo amantas da liberdade humana.
 
Ser um moralista no sentido técnico é ser aquele que conhece a natureza humana e a aceita. Nelson Rodrigues, em suas obras, sempre gera um certo desconforto, já que ele quer trazer para o nosso consciente aquilo que fazemos o maior esforço para esconder, inclusive, de nós mesmos. Vale lembrar que ele não narra uma prescrição de comportamento; apenas  tenta descrever os desejos humanos, como eles realmente são. Nelson é autor e não legislador. Nelson não quer que se faça na realidade o que ele conta em seus livros; Nelson realmente deseja que saibamos o que sentimos para podermos controlar as nossas inclinações “imorais”. Nelson é, antes de tudo, um amante do ser humano de forma incondicional; ama ao homem, apesar de suas “falhas”.  Nelson é ser humano antes de tudo, não o abandonando, ainda que ciente de suas fraquezas e inclinações. Verifica-se que ser ético não é ser pregador da moral vitoriana, rígida, que descarta qualquer tipo de desejo na constituição do homem, ser ético é conhecer a natureza humana e não a abandonar, é continuar sendo homem, apesar de tudo; o que  implica, de forma curiosa, um comportamento de amor perante a si mesmo, em sua totalidade, e em relação ao restante da sociedade.  
 
Há algum tempo a sociedade tem descartado a ética de natureza subjetiva, ou seja, aquela que afirma que ser ético é fazer o que determinada pessoa diz, já que depois de Freud, descrevendo de forma científica a constituição de ser humano, pôde-se generalizar a premissa segundo a qual todo ser humano possuí desejos e é no inconsciente, onde residem as inclinações  que a sociedade não permite que sejam expressas. Assim, é posto o seguinte dilema: “por que seguir determinada pessoa, sendo que ela possuí os mesmo defeitos que eu?” Tal premissa já tem influenciado o comportamento contemporâneo: a comunicação social tem sido cada vez mais horizontal, haja vista o crescimento das redes sociais e as quedas de audiência dos jornais tradicionais; muito se queixa que hoje não há líderes - o que se tem sido observado, principalmente, no cenário político  - e pode-se assentar que não mais surgirão lideranças como antigamente, porque a sociedade  quer que ela mesma diga o que deve ser feito, não uma dada pessoa, cheia de falhas e imperfeições. A sociedade deseja liberdade; ser guiada por um líder significa submissão, ser encabrestado. Vale ressaltar  que quando a sociedade deixou se guiar por líderes carismáticos, o resultado foi mais negativo do que positivo, tendo em vista o surgimento de ditaduras totalitárias no início do Séc. XX, quando se destaca a figura de Hitler, na Alemanha e, no caso brasileiro, o surgimento da figura de Antônio Conselheiro, no interior da Bahia, que desejava criar a comunidade de Canudos, isolada da civilização, o que levou os retirantes a péssimas condições de vida.  
 
Se desejar ser o palatino dos bons costumes é o mesmo que afrontar a teoria de Freud, colocando-se acima dela, a ética de hoje tem se deslocado para um patamar mais objetivo, ou seja, ser bom deixa de ser realizar aquilo que determinada pessoa diz e passa a ser realizar “o bem”, ainda que a definição desse termo seja algo ainda em aberto.   A ética deixa de ser subjetiva e passa a ser objetiva. Nesse sentido, tem-se dividido o estudo do conhecimento em dois ramos: moral e da ciência. Uma não pode estará à serviço da outra, haja vista que a ética sempre se relaciona com a política e quando a política passa a limitar a investigações científica os resultados são nefastos: “como se valer de determinado conhecimento científico, sendo que eu possuo uma opinião política diversa, daquele grupo que a defende?” Ora, a ciência deve ser patrimônio da humanidade e não um privilegio de determinada casta política. Exemplo dessa degeneração tem sido as limitação que as  investigações científicas de medicamentos têm recebido. Ora, a cura de várias moléstias ainda não foi descoberta mais por falta de interesse político-econômico do que por falta de competência da comunidade científica; outra combinação explosiva entre ciência e política é a aplicação da energia nuclear para criação de armas de destruição em massa, haja vista as tragédias de Hiroshima e Nagazaki.
 
Dostoiéviski, assim como Nelson Rodrigues, é outro amante da moral objetiva.  Reservou uma obra para uma situação da alma humana: o estado de dúvida é pior do que a certeza, seja ela qual for. Em Crime e Castigo, a personagem principal comete um homicídio e  passa grande parte a obra angustiada, sem saber o seu destino. Depois de saber a condenação, o seu espírito, finalmente,  relaxa. Curioso é frisar que a personagem é quem levou a mesma a se entregar perante as autoridades. Assim, teria a certeza de seu destino; caso contrário, viveria o resto de sua vida, com a dúvida constante de estar em liberdade que, à qualquer momento, poderia ser suprimida.  Estado de dúvida este que assola grande parte da sociedade contemporânea, caracterizada como sociedade líquida, onde tudo pode ser alterado a qualquer momento, onde tudo se transforma muito rápido. Esse traço pode ser sentido em vários setores: na política, existe um vetor constante de se alterar a presidente da república; as comunicações rápidas nos dificultam fazer uma rotina rígida de comportamento - um  convite para alguma situação importante pode surgir a qualquer momento, mudando o compromisso pré-agendado; esse estado de dúvida assola também as pessoas recém ingressadas no mercado de trabalho: muitas vezes se tem o diploma, mas não se é tratado como um profissional.  
A ética, apesar de sempre referida, tem os seus traços objetivos. A filosofia, a arte  a têm estudado há muito tempo. Desde Sócrates, tem-se direcionado o conhecimento para esse setor da realidade, indagando como agir, fazendo o bem?  Vários sistemas morais já foram criados, sendo ultrapassada a ética fundada em líderes carismáticos, dando  o ensejo para a prevalência da ética da liberdade, onde cada ser humano pode ser dono de seu próprio comportamento.   
  
(*Fernando Larangeira é advogado em Campo Grande - MS e Conselheiro da Associação dos Novos Advogados ANA-MS)
 


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Postado por: Fernando Larangeira (*), 18 Novembro 2015 às 15:15 - em: Falando Nisso


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