Marcos Alex Azevedo de Melo (*)
Enchentes e obras de ficção
Todo ano a situação se repete, marcada por um rito natural. Basta chover acima do previsto e do céu surgir uma tormenta ultrapassando a média pluviométrica prevista e a nossa cidade se vê mergulhada no caos. É aí que surge a “operação abafa”, geralmente iniciada com uma entrevista às tevês e takes de um prefeito ocupado e preocupado percorrendo pontos críticos, em cujo cenário ao fundo sempre se vê uma massiva presença de garis e patrolas.
E assim vão brotando as explicações e a declaração oficial, timbrada pelo hábito de oferecer mais do mesmo, detalhando manjadas desculpas: “já estamos providenciando tudo”, “a situação ocorreu porque choveu”, “a chuva foi muito forte”, “a obra tal ainda não está pronta”… O repórter questiona, ávido por uma resposta: “e quando será resolvido o problema?” E vem a resposta: “já estamos trabalhando”, “contra Deus e a natureza não se pode fazer nada”. O que Deus tem a ver com essa situação? Em dezembro do ano passado, um menino morre soterrado no lixão; agora, um motoqueiro perde sua vida, tragado pelo bueiro de uma rua da nossa cidade. Cadê a responsabilidade civil, humana e administrativa para essas mortes?
De uma coisa o prefeito não poderá jamais reclamar: da boa vontade dos seus concidadãos, de uma maneira geral e em especial dos órgãos fiscalizadores e que monitoram – do ponto de vista social e institucional – as ações da administração pública, da imprensa, da Câmara Municipal e do Ministério Público Estadual. Uma blindagem absurdamente bem acima dos limites. Passou-se uma gestão de oito anos e não se resolveu o problema da Avenida Afonso Pena. Quanto dinheiro foi aplicado nessa obra?
Neste mais recente temporal, as águas desciam sobre e sob a camada do asfalto recapeado, denunciando a absoluta falta de drenagem numa via que esperou décadas por uma cirurgia reparadora que custou R$ 7 milhões, inaugurada como se fosse a principal obra de um governo, com muita propaganda, placas, fotos e imagens festivas. Porém, mal acaba o foguetório e o pavimento já começa a esfarelar. Pura obra de ficção.
E os saquinhos de terra das galerias na Avenida Ricardo Brandão? Vergonhosamente colocados, desmoronaram. Fizeram então a opção de recomeçar tudo de novo. Quanto tempo demorou essa obra? Quanto recurso público ali foi investido? Obra de ficção.
Na Avenida Ernesto Geisel (a Norte-Sul), tentou-se arrumar a erosão asfáltica improvisando antigos trilhos de ferro usados para escorar placas de concreto. A ação, amadora, sugere uma analogia com a construção da primeira casa dos três porquinhos da fábula infantil. Anote-se: R$ 42 milhões! Esta é a pedida oficial da Prefeitura para que possa arrumar a via, sinceramente… E a barragem (!?) construída no Córrego Sóter? Denota e evidencia a ausência total de preparo técnico e até mesmo de bom senso na sua execução, supervisão e liberação, um verdadeiro escárnio.
Nos bairros, em asfaltos feitos e entregues há menos de seis meses, a única coisa que resta e que não esfarelou é o totem alaranjado anunciando, com requintes de crueldade, a entrega de mais uma obra de ficção e a chegada do carnê de contribuição de melhorias, a famigerada taxa de asfalto.
O fato e um dado concreto: todas as obras públicas em Campo Grande duram uma eternidade para se concretizar. Quanto tempo demorou para serem entregues vias como a Rua Ceará e o cruzamento da Avenida Mato Grosso com a Via Park? E geralmente todas, pequenas, médias e as grandes obras, sempre reclamam e precisam de recall. É dinheiro público sendo gasto duplamente, triplamente. E o engraçado é que ainda posam de competentes e se fazem se passar por sérios. Infelizmente, muitos incautos ainda acreditam nessa competência “fictícia”.
Diante dessa situação, a melhor coisa que a atual administração poderia fazer nesse momento em relação às enchentes é o não fazer. Se não deu conta e não teve competência técnica e gerencial para, nesses oitos anos, resolver tais problemas, não será agora em seis meses – pois o calendário eleitoral é super apertado – que conseguirá a solução miraculosa. É melhor e mais barato deixar essa tarefa para o prefeito ou prefeita que vier. Chega de obras de ficção. Dinheiro público merece respeito.
(*Marcos Alex Azevedo de Melo é vereador, líder da bancada do PT, presidente da Comissão de Segurança Publica e mmembro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Campo Grande)
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Postado por: Marcos Alex Azevedo de Melo (*), 31 Janeiro 2012 às 20:44 - em: Falando Nisso