Eles que enfiem...
Não foi a mídia golpista. Não foram as elites. Muito menos a oposição. Não foram os jornalistas. Está lá para todos assistirem. O fato nu e cru. Trata-se do momento epifânico de uma semana de grandes tensões na política, depois da prisão do publicitário João Santana, da delação de Delcídio Amaral e da “prisão” disfarçada de Lula.
A deputada Federal Jandira Feghali (PC do B RJ) terminou, involuntariamente, ajudando a produzir a melhor cena da atual crise brasileira.
Num “selfie-vídeo” para mostrar Lula falando ao telefone com a presidente Dilma Roussef, com a nobre intenção de registrar a “tranqüilidade” do ambiente logo que o ex-presidente chegou ao diretório do PT paulista, depois de passar mais de três horas dando explicações para a Polícia Federal, por conta de uma ordem de condução coercitiva do Juiz Sérgio Moro, na última sexta-feira, concedeu à sociedade essa jóia: “eles que enfiem no c... todo esse processo!”, aparece Lula falando ao fundo, sem que a deputada percebesse.
Seria conveniente tirar as crianças da sala. A frase de Lula é explicativa por si só. Em poucas palavras, ele derrubou toda a bravata que faria minutos depois para uma platéia de fanáticos, dizendo-se perseguido pelos donos do Brasil, num dos discursos mais impressionantes de todos os tempos. O homem estava inspirado.
Ali, diante de uma platéia selecionada, Lula mais uma vez, no domínio de seu expressivo talento para animar e inflamar auditórios, falou o que quis, como quis, criando mais uma peça da vitimologia universal, na qual o ser mais puro e honesto da raça dizia-se perseguido pelos anjos negros da maldade pelo simples fato de ter “tirado milhões da pobreza”, como se isso tivesse ocorrido por sua vontade individual e não fruto de uma conjuntura histórica específica.
É difícil compreender esse argumento: qualquer cidadão, por mais primitivo que seja, tem claro que qualquer expansão do mercado consumidor via aumento de renda e supressão da desigualdade, produz efeitos gerais que beneficiam a todos, mesmo que ele não aceite qualquer política populista de concessão de migalhas das bolsas famílias da vida. O atual quadro econômico é a reversão desse processo.
Portanto, essa conversa de que aqueles que “tem raiva de pobre” querem se vingar de Lula, não encontra respaldo em pesquisas de opinião, muito menos no contato com o mundo real. Esse delírio, felizmente, foi ultrapassado pelas mudanças reais promovidas pelo capitalismo nos últimos dois séculos.
Mas Lula e seus seguidores acreditam que essa mistificação funciona e prometem agitar a praça nos próximos dias. Talvez seja o último grito dos afogados.
Na minha modesta opinião a estratégia dos condutores da Operação Lava Jato segue linha correta. Eles estão muitos passos na frente da opinião pública. Detem provas contundentes envolvendo amplos setores do mundo político e empresarial. Mas agem com um cronograma de ações específicas para não espantar a tigrada. Talvez um dos poucos furos que tiveram no momento foi o vazamento interno para a cúpula petista das medidas de Sérgio Moro na direção de Lula.
Mesmo assim, acho que tudo foi calculado. Uso uma metáfora para explicar melhor minha teoria. Um sujeito descobre que tem câncer e que tem menos de três meses de vida. Ele comunica seu drama à família. Comoção geral. Gritos, ranger de dentes, impotência e desespero. Mas ao longo desse processo, as pessoas emocionalmente envolvidas elaboram antecipadamente o luto e, quando vem a morte, há um conformismo emocional com a inevitabilidade dos fatos, que termina abrandando o trauma e o sofrimento.
O que aconteceu com Lula e a subseqüente catarse que se viu nas ruas foram a transmissão da notícia de que a “vovó subiu no telhado”. O PT e as esquerdas vão agora viver a fase de luto. Claro que em se tratando de uma seita a estridência é equivalente à octanagem dos acontecimentos. Mas quando o cerco se fechar haverá certo conformismo porque as evidências são tantas que nem mesmo o mais crente dos crentes terá coragem para dar como argumento válido conspirações imaginárias. Assim espero que seja.
Quando isso acontecer, a frase de Lula (“ eles que enfiem no c... todo esse processo!”) terá sido provavelmente esquecida. Mas sua essência permanecerá. E todos terão absorvido a ideia de que o desprezo que o homem Lula tem pela democracia tem relação direta com suas crenças políticas e práticas escatológicas.
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: , 07 Março 2016 às 16:20 - em: Falando Nisso