Semy Ferraz (*)
E o Festival América do Sul?
Criado em 2004, depois de um importante processo de participação de todos os segmentos ligados à cultura e às artes, no segundo mandato do Governador Zeca do PT (em parceria com o Governo do Presidente Lula), o Festival América do Sul desde a sua primeira edição foi sediado em Corumbá, por conta das características únicas do mais antigo centro urbano de Mato Grosso do Sul, situado no coração da América do Sul e do Pantanal, além de ser indiscutível berço da cultura regional.
À exceção de sua primeira edição (realizada na semana de 12 de outubro, Dia do Descobrimento da América), desde 2005 tem sido realizado na semana do feriado de 1º de maio (Dia do Trabalhador, feriado internacional que permite uma coincidência de datas para a liberação dos produtores e aficionados da cultura e das artes em toda a América do Sul. Isso tudo foi objeto de ampla discussão no processo participativo de implantação do maior evento integracionista da cultura no País.
Causa estranheza, no entanto, a decisão unilateral do atual governo do estado de mudar a data do Festival América do Sul, da última semana de abril para a primeira semana de junho, tradicional mês em que acontece a Festa do Banho do São João invariavelmente na segunda quinzena. Não é preciso ser técnico em eventos para antever que essa péssima coincidência prejudicará, em primeiro lugar, a cultura popular e os agentes culturais de Corumbá, município-sede do festival e referência no tradicional festejo junino.
Tal gesto, lamentavelmente, por si só, exprime, além do injustificável desconhecimento do calendário cultural do estado pelos atuais gestores estaduais da cultura, sua falta de articulação com os gestores municipais da cultura. Mais ainda, vem denunciar a indiferença com que os três últimos mandatos do Executivo estadual com a cultura regional emanada do Pantanal transfronteiriço (leia-se Corumbá e fronteiras).
Como querendo remediar o irremediável, de última hora, consumado o estrago, diante do repúdio da população local, sobretudo dos agentes culturais e artísticos pantaneiros (há tempos segregados do processo, como párias em sua própria terra), a Secretaria de Cultura do estado, faz uma tímida convocação para uma audiência pública a fim de, extemporaneamente, “incluir os excluídos” e, talvez, ouvir suas justas reivindicações, acumuladas nos últimos oito anos de eventismo autoritário e de gosto duvidoso.
É consensual a opinião de que, entre 2007 e 2014, o Festival América do Sul foi se definhando ao ponto de ter chegado à sua 11ª. edição bastante esvaziado, como que o ex-governador quisesse castigar a população pantaneira por não lhe ser simpático por seus rompantes de caudilho do século passado. Não por acaso, já é perceptível o desejo em alto e bom som de consideráveis segmentos locais pela reunificação do Pantanal e da emancipação do jugo oligárquico dos Campos de Vacaria. Aliás, não foi por essas razões que o Sul passou meio século pleiteando por sua secessão de Cuiabá?
Controvérsias políticas à parte, cabe ao governo estadual a postura republicana de gerir os interesses cidadãos com isenção e igualdade, sem submeter à marginalidade qualquer localidade ou região que, por ventura, não tenha votado majoritariamente nos candidatos ligados às suas coligações partidárias. Pois é isso mesmo que tem repercutido no interior de Mato Grosso do Sul, desde que o atual governador se instalou no Parque dos Poderes.
O Brasil do século XXI não mais tolera a volta da prática de retaliações políticas emboloradas, que se remetem aos tristes tempos em que as oligarquias mato-grossenses castigavam populações inteiras quando se encontravam no exercício do poder. E curiosamente isso vem sendo praticado pelos que, em nível nacional, fazem o discurso da modernidade e da ética. Como que dissessem “façam o que digo, não o que faço”.
(*Semy Alves Ferraz é engenheiro civil, ex-deputado estadual e ex-secretário de Infraestrutura, Habitação e Transportes de Campo Grande)
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Postado por: Semy Ferraz (*), 10 Março 2015 às 11:50 - em: Falando Nisso