E nós, como ficamos? Heitor Freire (*)

E nós, como ficamos?

O uso da linguagem sofre, ao longo do tempo, uma série de influências que podem acabar deturpando seu significado, como o uso de gírias e palavras que, em tese, teriam a finalidade da facilitar a comunicação.
 
Linguagem é o sistema pelo qual o ser humano comunica suas ideias e sentimentos, seja através da fala, da escrita ou de outros signos convencionais. E como tal, a linguagem é dinâmica (uma de suas características principais), não permanece estática, engessada; ao contrário, ela representa a manifestação do pensamento de um povo e se caracteriza exatamente por isso.
 
A velocidade da internet, criando novos hábitos e novas formas de comunicação, estimula modismos que, por vezes, têm duração efêmera, e outros que permanecem, gerando novos hábitos que podem se perpetuar ao longo do tempo. 
 
Outro dia, encontrei um amigo que me perguntou: “Heitor, você continua mexendo com imóveis?” Eu respondi: “Mexer, eu continuo mexendo com o que aprendi desde criança; mexo os braços, os olhos, o corpo, os pés, etc. Agora, com imóveis, eu trabalho.” Mas, pelo visto, a expressão “mexer” veio para ficar. Todo mundo mexe.
 
O mesmo acontece com o termo “a gente”. O “nós” foi enterrado, morto e sepultado. “A gente” se incorporou de forma definitiva no linguajar comum. A gente faz, a gente cria, a gente organiza, a gente vai, e segue por aí afora. A gente virou sinônimo de nós.
 
Na comunicação informal, “a gente” é perfeitamente aceitável. Seu significado está relacionado a um conjunto de pessoas, por isso a sua associação com o pronome 'nós'. No entanto, a expressão é considerada coloquial e deve ser utilizada para situações mais informais. Só que o uso de “a gente” se disseminou de tal forma que é usado em discursos políticos, acadêmicos, formais, intelectuais, etc. 
 
E aí, devemos nos conformar, aceitar e deixar para lá, ou procurar uma forma de encarar expressões populares, como “mexer” e “a gente”?
 
Pelo que parece, esse jeito de falar veio para ficar. O pronome nós pode fazer as malas e tirar o time de campo?
 
Mas será que é assim mesmo?  E se buscarmos apoio na filosofia para enfrentar esses hábitos que se tornam vícios de linguagem e que como tal, devem ser combatidos? O uso da linguagem é também uma forma de evolução. O homem se realiza por meio da palavra. Do uso adequado e constante, vai firmando um costume que quando enraizado se transforma em riqueza, desde que usado com critério e consciência.
 
É por isso que toda e qualquer pessoa pode e deve praticar a filosofia como modo de exercer a sua própria cidadania e subjetividade. E se em nosso mundo somos constantemente afligidos pelos mais diversos problemas nos mais diversos espaços, a prática da filosofia se torna mais que necessária, é uma prática urgente. Nos tempos em que há pouco lugar para a filosofia, o mais urgente é justamente fazer filosofia.
 
A filosofia é uma das mais elementares formas de conhecimento e de construção da nossa cultura e sociedade. Assim, na construção de uma sociedade é imperativo utilizar a filosofia como forma de aprimoramento social.
 
Em termos objetivos, a filosofia produz conceitos. Um conceito é uma ferramenta que nos permite compreender e responder a um determinado problema ou conjunto de problemas. Problemas estes que não apenas aparecem em circunstâncias adversas, mas que são construídos pelo pensamento para que melhor compreendamos a realidade e o mundo. 
 
O conceito moderno da linguagem quando contemplado como essência define a natureza de um povo. Conceito significa definição, concepção ou caracterização. É a formulação de uma ideia por meio de palavras ou recursos visuais. E esse jeito novo de falar pode se transformar numa prática nociva, porque cria novas formas que não correspondem ao seu significado original. Não dá para simplesmente dizer “deixa pra lá”.
 
Para Aristóteles, o conceito era comparado ao eidos (o vigorar do Ser em cada um, a sua própria essência, sem a qual não se é. É o eidos que faz de cada ser um indivíduo), e de acordo com a lógica aristotélica, o conceito é a forma mais básica de pensamento (em conjunto com o juízo e o raciocínio), sendo a representação intelectual abstrata de um objeto.
 
Do ponto de vista filosófico, de acordo com o filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995), a tarefa da filosofia é a de criar conceitos: “A questão da filosofia é o ponto singular onde o conceito e a criação remetem-se um ao outro”. Assim, o objetivo da filosofia seria encontrar as definições corretas sobre as quais o pensamento e o conhecimento pudessem se desenvolver.
 
Então, vamos filosofar para encontrar os meios e as condições necessárias para acabar com expressões banais como “mexer” e “a gente”. Exige esforço, trabalho concentrado, constante, mas produz verdadeiros frutos para a nossa evolução mental e espiritual.
 
(*Heitor Rodrigues Freire – corretor de imóveis e advogado)


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Postado por: Heitor Freire (*), 21 Outubro 2023 às 09:00 - em: Falando Nisso


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