Depois da democracia e dos concursos... Alexandre Bastos (*)

Depois da democracia e dos concursos...

Durante o período em que construímos nossa recente vida democrática, voltamos a conviver com valores que estruturam um Estado de Direito.
 
Conquistou-se lugar entre nós direitos básicos e universais da saúde, da educação, das eleições livres e periódicas, da ampla defesa e do contraditório, enfim, vivemos numa democracia.
 
É certo que tudo ainda precisa melhorar. Mas evoluímos inegavelmente.
 
Tivemos diferentes e marcantes administrações no País que contribuíram ora com a economia, ora com o Estado Social.
 
De toda essa transformação surgiu um sentimento nacional tão forte quanto à paixão pelo futebol: a reprovação e a intolerância com a corrupção. A política está em êxtase. Os políticos em cartase. Agentes do Estado e cidadãos, em franca vigilância.
 
De outro lado, também nasceu nesse período pós-ditadura um movimento nacional, silencioso, sustentado pelo sonho da estabilidade e garantido pela evolução do principio constitucional da impessoalidade na Administração Pública. Formou-se “um Brasil” de concurseiros.
 
Não há um só lugar nesse País continental onde não se conheça uma história de sucesso e esforço para alcançar um cargo público. Vidas transformadas. Escolas preparatórias nacionais. Um novo negócio no cenário econômico brasileiro.
 
Celebridades nacionais foram reveladas. Joaquim Barbosa, do STF, é exemplo vindo dessa comunidade de valentes estudiosos.
 
Contudo, uma observação inquietante vem me perseguindo.
 
É certo que a luta e o fogo forjam guerreiros e armas. A dor ensina a gemer, sempre ensinaram os mais antigos.
 
Assim, sem nenhum apego a correntes idealistas ou ideológicas, não se pode negar que os lideres brasileiros dos últimos vinte anos foram formados pela escola da ditadura há mais de quatro décadas.
 
Resistindo ou dela fazendo parte, é fato que o sentimento tomado na época da exceção fez nascer um time de brasileiros que tiveram na bandeira da democracia o sentido da própria vida.
 
Se honraram ou não o legado da história, é inegável que a geração de comunas, subversivos, democratas, populistas, religiosos libertadores e outros, lideraram milhares e conduziram o país com mínimo de consciência cívica.
 
Fez-se obrigatório, por exemplo, que a minha geração estudasse “OSPB”! (organização social e política brasileira).
 
E eis que aquela geração chegou ao Poder central. E veio a democracia.
Disso, invadiu-nos aparente sensação de que tudo ia bem e que as massas mobilizadas não seriam mais necessárias. Daí nasce a inquietude que revelo.
 
Se durante os anos da ditadura formaram-se os lideres políticos, da estabilidade, vieram os concursados, agentes do Estado que com ele quase se confundem.
 
Se a corrupção faz desacreditar no político, a aprovação no concurso dá para o aprovado um certificado de imunidade da política.
 
E, uma perigosa conjunção de valores se revela, já que o detentor de poder pela estabilidade do cargo público, geralmente não estima o mandatário político.
 
E como não há concurso público para cargos eletivos, a representação democrática perde prestigio.
 
Se ontem, na ditadura, o sentimento era de paixão, de luta, de indignação, e se espalhava na coletividade, hoje, a busca solitária pela vaga no concurso público o sentimento quase sempre é solitário, individual, e se espalha, no máximo, entre os familiares do aprovado.
 
Se isso faz a máquina pública séria e livre da peçonha do apadrinhamento, não se pode garantir que o Brasil tenha futuro ou sucesso oferecendo apenas o sonho do cargo público aos seus filhos.
 
Ao oferecer como legado para toda uma geração um cargo público sem paralelo no mercado privado, ao comparar-se salários e benefícios, estamos num ciclo perigoso e de sustentabilidade frágil.
 
O desprestigio das carreiras privadas faz inverter-se a lógica de que o povo é quem sustenta o Estado, impondo que o Estado sustente boa parte de seus cidadãos.
 
Portanto, inchando a máquina pública (e aqui não falo dos cargos em comissão, que estão qualitativamente em vias de extinção), tiram-se do mercado os profissionais que fomentariam o sistema produtivo.
 
Sem rumo, um Brasil inteiro só vê no concurso a chance de vencer na vida.
 
Esse fato impõe sobre os jovens uma apatia cívica, uma aversão à política. Daí, o individualismo prevalece.
 
Se esse “sonho” consome os talentos e líderes do mercado, igualmente leva embora os lideres políticos.
 
E assim segue. Ninguém “sonha” em trabalhar no mercado, e não há vagas para todos os concurseiros na máquina pública. E daí, como ficamos?
 
Dessa dúvida e dessa inquietude, confesso que uma luz acendeu-se ao ver que a maioria dos que foram as ruas nos recentes protestos eram jovens.
 
Talvez eles tenham notado tanto que o futuro deles não está garantido num cargo público quanto que o País não oferece formação decente para ir ao mercado privado.
 
Se enxergaram, ótimo. Senão, temos que enxergar por eles.
 
Por isso o título do artigo: Depois da democracia e dos concursos...
 
Desse imbróglio parece que o sonhador Cristovam Buarque tenha razão. Só mesmo a educação pode transformar essa nação de jovens nos lideres do Brasil de amanhã.
 
Vencemos a ditadura, estabilizamos a economia, universalizamos a saúde. Mas não basta.
 
Que o emprego e a carreira pública sejam destinados aos vocacionados, aos que tem paixão pela coisa pública. Que se passe no concurso por identidade com a função, e não por mera opção econômica.
 
Que o Mercado tenha como absorver a energia dos jovens, a fim de que a produtividade e a inovação tecnológica sustentem o país.
 
E a que política deixe de ser opção de carreira, e resgate seus líderes do seio do povo, dentre trabalhadores, profissionais liberais, empresários, artistas, jovens, adultos e os veteranos na vida.
 
Porque a democracia é o governo de todos, para todos. Porque o Brasil é bem mais do que um bom empregador público.
 
(*Alexandre Bastos é advogado em Campo Grande MS)
 


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Postado por: Alexandre Bastos (*), 07 Agosto 2013 às 18:06 - em: Falando Nisso


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